Por
William Webster
No Novo Testamento e nos escritos
dos Pais Apostólicos não há menção de um grupo especial de homens separados
para ministrarem como sacerdotes. O Novo Testamento especificamente ensina que
Cristo foi o cumprimento do sacerdócio do Antigo Testamento e é agora o único
mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5). O Novo Testamento declara inequivocamente
que o sacerdócio humano que Deus estabeleceu sob a lei mosaica foi posto de
lado uma vez que Cristo veio. Essa é a verdade demonstrada no paralelo entre
Cristo e Melquisedeque no capítulo 7 de Hebreus:
“Porque, mudando-se
o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei... Porque o
precedente mandamento é ab-rogado por causa da sua fraqueza e inutilidade (Pois
a lei nenhuma coisa aperfeiçoou) e desta sorte é introduzida uma melhor
esperança, pela qual chegamos a Deus” (Hb 7.12,18-19).
A Escritura ensina
que o antigo sistema foi posto de lado porque era imperfeito e não poderia
concluir o que Deus requeria, mas agora que Cristo veio, ele tem cumprido perfeitamente
os requerimentos para a salvação. Ele mesmo se tornou no último sacrifício e
sacerdote. Assim, não é necessária a continuação dos sacrifícios, pois ele
concluiu a obra de sacrifício por sua morte, e não há mais a necessidade de
sacerdócio porque ele é um sacerdote para sempre, de acordo com a ordem de
Melquisedeque:
“E muito mais
manifesto é ainda, se à semelhança de Melquisedeque se levantar outro
sacerdote, que não foi feito segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a
virtude da vida incorruptível. Porque ele assim testifica: Tu és sacerdote
eternamente, Segundo a ordem de Melquisedeque” (Hebreus 7:15-17).
Cristo é um eterno
sacerdote porque ele vive no poder de uma vida indestrutível, e o escritor aos
Hebreus salienta que isso é também um sacerdócio exclusivo – suas funções não
podem ser transferidas para ninguém mais: “Mas este, porque permanece
eternamente, tem um sacerdócio perpétuo” (7.24). A palavra
“perpétuo” é a palavra grega que quer dizer “imutável, não passível de ser
transmitido a um sucessor” (Thayer’s
Greek-English Lexicon, p.54). Como Philip Hughes tem comentado:
Como um sacerdote
que, de acordo com a afirmação do Salmo 110, permanece para sempre e que,
portanto, mentem seu sacerdócio permanentemente, não há necessidade nem lugar
para qualquer tipo de sucessão no seu caso. Pelo fato de ele não morrer, seu
próprio sacerdócio não morre, nem é transmitido a outros; não pode haver
nenhuma forma de passar a outros um ofício que é única e exclusivamente seu.[1]
O claro e explícito
ensino dessas passagens é que Jesus Cristo não instituiu uma nova ordem de
sacerdotes humanos através de seus discípulos porque a Escritura ensina que seu
sacerdócio removeu a velha ordem e agora exerce um exclusivo e eterno
sacerdócio, cujas prerrogativas não podem ser transferidas para nenhum outro.
Concordemente, as Escrituras ensinam que os homens tem agora acesso direto a
Deus através de Jesus Cristo. Eles não mais precisam de um sacerdócio humano e
muito menos de sacrifícios, pois ele se tornou nosso sacrifício e nosso
sacerdote.
No Novo Testamento,
os dois maiores ofícios humanos que são mencionados para a supervisão contínua
da Igreja são distintivamente diferentes do sacerdócio que antes existia. Esses
ofícios são aqueles de “presbítero” e “diácono”. O “presbítero” ou “supervisor”
é designado como aquele que é chamado por Deus para ensinar e governar, e o
“diácono” é chamado para ministrar em um serviço mais prático. Esses são os
dois termos usados para “supervisor” no Novo Testamento – presbuteros e episkopos:
embora sejam traduzidos por “presbíteros” e “bispos” respectivamente, eles são
usados intercambiavelmente no Novo Testamento.[2]
Paulo e Pedro, por exemplo, usam os termos presbítero e bispos para descrever o
mesmo ofício. A palavra presbuteros
ou “presbítero” descreve a posição, enquanto episkopos descreve a função dos presbítero como aquele que governam
ou supervisiona. O Novo Testamento exorta os crentes a serem submissos e
obedientes aos presbíteros que Deus tem posto sobre eles (cf. 1Pe 5.5; Hb
13.17). O Novo Testamento não usa o termo sacerdotes – hiereus – para se referir a um ofício separado do ministério
cristão.
Similarmente, nos
antigos escritos da Igreja nenhuma menção de sacerdotes é feita no ministério
cristão. Há, às vezes, alguns paralelos feitos entre os ofícios do Novo
Testamento e as funções ministeriais do sacerdócio na antiga dispensação – como
encontrados nos Escritos de Clemente e Inácio, por exemplo – mas eles não
ensinam que o ministério e ministros do Novo Testamento são os mesmos do Antigo
Testamento. Clemente em 1Clemente 40-41 usa o sacerdócio do Antigo Testamento
como uma ilustração de um principio de chamado e ordenação divinos. Naquele
tempo, Deus especificamente chamava e apontava certos homens para performar um
ministério específico que deveria ser exercido de uma forma particular. Ele
então aplica tal principio aos seus leitores sob a dispensação do Novo
Testamento para alertá-los de que Deus ainda chama e aponta homens para cumprir
o papel de pastor, presbítero e diácono, e que os crentes devem ser cuidadosos
em se submeter às autoridades que Deus tem estabelecido na Igreja.
Clemente nunca usou
o termo “sacerdote” para descrever um ministro cristão. Isso também ocorre para
todos os escritos dos Pais Apostólicos. Policarpo, Inácio, Clemente e A Didaquê, todos usam os termos “bispo” ou “presbítero” e “diácono” quando se
referem àqueles responsáveis pelo ministério cristão. Esses são os termos
empregados pelo próprio Novo Testamento. Quando esses e outros escritores fazem
uso do temo grego para “sacerdote” (hiereus),
é sempre em referência ao Antigo Testamento ou a pessoa de Cristo. O primeiro
uso da palavra para se referir a ministros cristãos se encontra em Orígenes, o
Pai grego do século 3. Clemente de Alexandria, escrevendo na última metade do
século 2, usa a palavra para descrever todos os cristãos em geral.
É com os Pais
Gregos do século 4 que encontramos a palavra Hiereus universalmente aplicada para descrever os ministros cristãos.[3]
E é com Tertuliano, no Ocidente, que os inicios de uma função sacerdotal no
ministério cristão começa a se tornar evidente, pois ele usa o termo latino sacerdotium (sacerdócio) para descrever
um ministro cristão. É claro que nos primórdios do terceiro século estavam
começando a serem vistos como sacerdotes similares àqueles do Antigo
Testamento. O termo grego presbuteros
aparentemente mudou de significado, de seu uso original, e passou a ser
identificado como um ministro sacerdotal – embora não inteiramente caracterizado
por aquilo que mais tarde se desenvolveu no sistema católico romano. Após examinar
a evidência do antigo desenvolvimento do sacerdócio, Richard McBrien concluiu
que:
Contanto
os cristãos entendessem a si mesmos como o renovado, não novo, Israel, eles não
tiveram a ideia de substituir o sacerdócio judeu por um sacerdócio próprio... não
até os antigos cristãos concluírem que eram de fato parte de um movimento radicalmente
novo, distinto do Judaísmo, que foi a base do desenvolvimento de um sacerdócio cristão
separado. Outros eventos acentuaram esse processo: o número crescente de
gentios convertidos, o deslocamento da liderança para longe da igreja de
Jerusalém e para as igrejas de Roma, Antioquia, Éfeso e Alexandria, a destruição
do Templo e, finalmente, as próprias tendências sectárias do Judaísmo no período
pós-destruição. Concomitantemente, havia um crescente crescimento do
reconhecimento caráter sacrificial da Eucaristia, que clamava por um sacerdócio
de sacrifícios distinto do sacerdócio judaico.[4]
Pelo
tempo de Tertuliano havia uma diferenciação clara entre leigos e o que McBrien
chama de “sacerdotes”. Ter uma ordem separada de homens destinados ao ministério
não é contraditório ao padrão bíblico, como temos visto, mas o que é contraditória
é a aplicação de uma função sacerdotal a essa ordem. Foi Cypriano que
cristalizou essa aplicação estabelecendo um paralelo direto entre o Judaísmo e
o ministério do Novo Testamento. Ele diretamente aplicou as funções e posição
dos sacerdotes do Antigo Testamento aos oficiais da igreja cristã, e assim
agindo, forjou a “concepção sacerdotal do ministério cristão como uma das agências
mediadoras entre Deus e o povo”.[5]
Na
visão católica romana, a ordenação e o sacerdócio conferem sobre o indivíduo a habilidade
e autoridade para administrar os sacramentos e a ensinar e governar a igreja. É
um sacramento solene sem o qual o indivíduo não está apto a cumprir seu papel
como sacerdote, pois este sacramento supostamente põe sobre o individuo uma
marca indelével que ele nunca perderá. Esse ensino foi primeiramente anunciado
por Agostinho, mas por muitos anos a ordenação não foi considerada um sacramento.
Esse ponto de vista de ordenação e ministério sacerdotal evoluiu como todo o
conceito de salvação e graça sacramental que foi desenvolvido na Igreja, de
modo que apenas um sacerdote autorizado, separado por Deus como no Antigo
Testamento, poderia administrar os sacramentos do batismo, da eucaristia, da
confissão e da penitência, e assim entregar a salvação ao povo.
É
claro a partir do Novo Testamento que há um conceito de ordenação para ministério
cristão – o reconhecimento público e a separação de um individuo especificamente
chamado por Deus para assumir o papel de um pastor ou presbítero. A ordenação é
o reconhecimento público pela igreja de um dom soberano dado por Deus e
independente de qualquer obra humana. Mas tal função nada tem que ver como o
sacerdócio, pois, como mencionado acima, o Novo Testamento ensina que todos os cristãos têm sido separados
como sacerdotes espirituais no Reino de Deus.
Cristo
não poderia ter instituído um novo sacerdócio nos moldes do Antigo Testamento,
pois tal função de mediação foi anulada agora que ele se tornou um perfeito
sacrifício pelo pecado.
Texto extraído da obra The Church of Rome at the Bar of History de William Webster, pp. 91-95.
[1] Philip Hughes, A Commentary on the Espistle to the Hebrews (Grand Rapids:
Eerdmans, 1977) p. 268.
[2] Por exemplo, Atos 20.17,28.
[3] A
Patristic Greek Lexicon de G.W.H. Lampe (Oxford: University, 1961),
menciona pais como Dídimo o Cego, Basílio, Crisóstomo, Teodoreto, Gregório de
Nazianzo, Cirilo de Alexandria e Gregório de Nissa como aqueles que usaram o
termo.
[4] Richard McBrien, Catholicism, vol.III (Mineapolis:
Winston, 1980), p.802.
[5] Ibid., vol.III, pp.12-127.