sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

ORDENAÇÃO E SACERDÓCIO

Por William Webster

No Novo Testamento e nos escritos dos Pais Apostólicos não há menção de um grupo especial de homens separados para ministrarem como sacerdotes. O Novo Testamento especificamente ensina que Cristo foi o cumprimento do sacerdócio do Antigo Testamento e é agora o único mediador entre Deus e os homens (1Tm 2.5). O Novo Testamento declara inequivocamente que o sacerdócio humano que Deus estabeleceu sob a lei mosaica foi posto de lado uma vez que Cristo veio. Essa é a verdade demonstrada no paralelo entre Cristo e Melquisedeque no capítulo 7 de Hebreus:

“Porque, mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei... Porque o precedente mandamento é ab-rogado por causa da sua fraqueza e inutilidade (Pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou) e desta sorte é introduzida uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus” (Hb 7.12,18-19).

A Escritura ensina que o antigo sistema foi posto de lado porque era imperfeito e não poderia concluir o que Deus requeria, mas agora que Cristo veio, ele tem cumprido perfeitamente os requerimentos para a salvação. Ele mesmo se tornou no último sacrifício e sacerdote. Assim, não é necessária a continuação dos sacrifícios, pois ele concluiu a obra de sacrifício por sua morte, e não há mais a necessidade de sacerdócio porque ele é um sacerdote para sempre, de acordo com a ordem de Melquisedeque:

“E muito mais manifesto é ainda, se à semelhança de Melquisedeque se levantar outro sacerdote, que não foi feito segundo a lei do mandamento carnal, mas segundo a virtude da vida incorruptível. Porque ele assim testifica: Tu és sacerdote eternamente, Segundo a ordem de Melquisedeque” (Hebreus 7:15-17).

Cristo é um eterno sacerdote porque ele vive no poder de uma vida indestrutível, e o escritor aos Hebreus salienta que isso é também um sacerdócio exclusivo – suas funções não podem ser transferidas para ninguém mais: “Mas este, porque permanece eternamente, tem um sacerdócio perpétuo” (7.24). A palavra “perpétuo” é a palavra grega que quer dizer “imutável, não passível de ser transmitido a um sucessor” (Thayer’s Greek-English Lexicon, p.54). Como Philip Hughes tem comentado:

Como um sacerdote que, de acordo com a afirmação do Salmo 110, permanece para sempre e que, portanto, mentem seu sacerdócio permanentemente, não há necessidade nem lugar para qualquer tipo de sucessão no seu caso. Pelo fato de ele não morrer, seu próprio sacerdócio não morre, nem é transmitido a outros; não pode haver nenhuma forma de passar a outros um ofício que é única e exclusivamente seu.[1]

O claro e explícito ensino dessas passagens é que Jesus Cristo não instituiu uma nova ordem de sacerdotes humanos através de seus discípulos porque a Escritura ensina que seu sacerdócio removeu a velha ordem e agora exerce um exclusivo e eterno sacerdócio, cujas prerrogativas não podem ser transferidas para nenhum outro. Concordemente, as Escrituras ensinam que os homens tem agora acesso direto a Deus através de Jesus Cristo. Eles não mais precisam de um sacerdócio humano e muito menos de sacrifícios, pois ele se tornou nosso sacrifício e nosso sacerdote.
No Novo Testamento, os dois maiores ofícios humanos que são mencionados para a supervisão contínua da Igreja são distintivamente diferentes do sacerdócio que antes existia. Esses ofícios são aqueles de “presbítero” e “diácono”. O “presbítero” ou “supervisor” é designado como aquele que é chamado por Deus para ensinar e governar, e o “diácono” é chamado para ministrar em um serviço mais prático. Esses são os dois termos usados para “supervisor” no Novo Testamento – presbuteros e episkopos: embora sejam traduzidos por “presbíteros” e “bispos” respectivamente, eles são usados intercambiavelmente no Novo Testamento.[2] Paulo e Pedro, por exemplo, usam os termos presbítero e bispos para descrever o mesmo ofício. A palavra presbuteros ou “presbítero” descreve a posição, enquanto episkopos descreve a função dos presbítero como aquele que governam ou supervisiona. O Novo Testamento exorta os crentes a serem submissos e obedientes aos presbíteros que Deus tem posto sobre eles (cf. 1Pe 5.5; Hb 13.17). O Novo Testamento não usa o termo sacerdotes – hiereus – para se referir a um ofício separado do ministério cristão.
Similarmente, nos antigos escritos da Igreja nenhuma menção de sacerdotes é feita no ministério cristão. Há, às vezes, alguns paralelos feitos entre os ofícios do Novo Testamento e as funções ministeriais do sacerdócio na antiga dispensação – como encontrados nos Escritos de Clemente e Inácio, por exemplo – mas eles não ensinam que o ministério e ministros do Novo Testamento são os mesmos do Antigo Testamento. Clemente em 1Clemente 40-41 usa o sacerdócio do Antigo Testamento como uma ilustração de um principio de chamado e ordenação divinos. Naquele tempo, Deus especificamente chamava e apontava certos homens para performar um ministério específico que deveria ser exercido de uma forma particular. Ele então aplica tal principio aos seus leitores sob a dispensação do Novo Testamento para alertá-los de que Deus ainda chama e aponta homens para cumprir o papel de pastor, presbítero e diácono, e que os crentes devem ser cuidadosos em se submeter às autoridades que Deus tem estabelecido na Igreja.
Clemente nunca usou o termo “sacerdote” para descrever um ministro cristão. Isso também ocorre para todos os escritos dos Pais Apostólicos. Policarpo, Inácio, Clemente e A Didaquê, todos usam os termos “bispo” ou “presbítero” e “diácono” quando se referem àqueles responsáveis pelo ministério cristão. Esses são os termos empregados pelo próprio Novo Testamento. Quando esses e outros escritores fazem uso do temo grego para “sacerdote” (hiereus), é sempre em referência ao Antigo Testamento ou a pessoa de Cristo. O primeiro uso da palavra para se referir a ministros cristãos se encontra em Orígenes, o Pai grego do século 3. Clemente de Alexandria, escrevendo na última metade do século 2, usa a palavra para descrever todos os cristãos em geral.
É com os Pais Gregos do século 4 que encontramos a palavra Hiereus universalmente aplicada para descrever os ministros cristãos.[3] E é com Tertuliano, no Ocidente, que os inicios de uma função sacerdotal no ministério cristão começa a se tornar evidente, pois ele usa o termo latino sacerdotium (sacerdócio) para descrever um ministro cristão. É claro que nos primórdios do terceiro século estavam começando a serem vistos como sacerdotes similares àqueles do Antigo Testamento. O termo grego presbuteros aparentemente mudou de significado, de seu uso original, e passou a ser identificado como um ministro sacerdotal – embora não inteiramente caracterizado por aquilo que mais tarde se desenvolveu no sistema católico romano. Após examinar a evidência do antigo desenvolvimento do sacerdócio, Richard McBrien concluiu que:

Contanto os cristãos entendessem a si mesmos como o renovado, não novo, Israel, eles não tiveram a ideia de substituir o sacerdócio judeu por um sacerdócio próprio... não até os antigos cristãos concluírem que eram de fato parte de um movimento radicalmente novo, distinto do Judaísmo, que foi a base do desenvolvimento de um sacerdócio cristão separado. Outros eventos acentuaram esse processo: o número crescente de gentios convertidos, o deslocamento da liderança para longe da igreja de Jerusalém e para as igrejas de Roma, Antioquia, Éfeso e Alexandria, a destruição do Templo e, finalmente, as próprias tendências sectárias do Judaísmo no período pós-destruição. Concomitantemente, havia um crescente crescimento do reconhecimento caráter sacrificial da Eucaristia, que clamava por um sacerdócio de sacrifícios distinto do sacerdócio judaico.[4]

Pelo tempo de Tertuliano havia uma diferenciação clara entre leigos e o que McBrien chama de “sacerdotes”. Ter uma ordem separada de homens destinados ao ministério não é contraditório ao padrão bíblico, como temos visto, mas o que é contraditória é a aplicação de uma função sacerdotal a essa ordem. Foi Cypriano que cristalizou essa aplicação estabelecendo um paralelo direto entre o Judaísmo e o ministério do Novo Testamento. Ele diretamente aplicou as funções e posição dos sacerdotes do Antigo Testamento aos oficiais da igreja cristã, e assim agindo, forjou a “concepção sacerdotal do ministério cristão como uma das agências mediadoras entre Deus e o povo”.[5]
Na visão católica romana, a ordenação e o sacerdócio conferem sobre o indivíduo a habilidade e autoridade para administrar os sacramentos e a ensinar e governar a igreja. É um sacramento solene sem o qual o indivíduo não está apto a cumprir seu papel como sacerdote, pois este sacramento supostamente põe sobre o individuo uma marca indelével que ele nunca perderá. Esse ensino foi primeiramente anunciado por Agostinho, mas por muitos anos a ordenação não foi considerada um sacramento. Esse ponto de vista de ordenação e ministério sacerdotal evoluiu como todo o conceito de salvação e graça sacramental que foi desenvolvido na Igreja, de modo que apenas um sacerdote autorizado, separado por Deus como no Antigo Testamento, poderia administrar os sacramentos do batismo, da eucaristia, da confissão e da penitência, e assim entregar a salvação ao povo.
É claro a partir do Novo Testamento que há um conceito de ordenação para ministério cristão – o reconhecimento público e a separação de um individuo especificamente chamado por Deus para assumir o papel de um pastor ou presbítero. A ordenação é o reconhecimento público pela igreja de um dom soberano dado por Deus e independente de qualquer obra humana. Mas tal função nada tem que ver como o sacerdócio, pois, como mencionado acima, o Novo Testamento ensina que todos os cristãos têm sido separados como sacerdotes espirituais no Reino de Deus.
Cristo não poderia ter instituído um novo sacerdócio nos moldes do Antigo Testamento, pois tal função de mediação foi anulada agora que ele se tornou um perfeito sacrifício pelo pecado. 

Texto extraído da obra The Church of Rome at the Bar of History de William Webster, pp. 91-95.




[1] Philip Hughes, A Commentary on the Espistle to the Hebrews (Grand Rapids: Eerdmans, 1977) p. 268.
[2] Por exemplo, Atos 20.17,28.
[3] A Patristic Greek Lexicon de G.W.H. Lampe (Oxford: University, 1961), menciona pais como Dídimo o Cego, Basílio, Crisóstomo, Teodoreto, Gregório de Nazianzo, Cirilo de Alexandria e Gregório de Nissa como aqueles que usaram o termo.
[4] Richard McBrien, Catholicism, vol.III (Mineapolis: Winston, 1980), p.802.
[5] Ibid., vol.III, pp.12-127.

3 comentários:

  1. Bom saber que voltou a postar Fabiano.

    Como sempre, trouxe material de excelente qualidade. Eu traduzi dois artigos do William Webster sobre Confissão e Penitência Tradição.

    http://respostascristas.blogspot.com.br/search/label/Confiss%C3%A3o%20e%20Penit%C3%AAncia

    http://respostascristas.blogspot.com.br/search/label/tradi%C3%A7%C3%A3o?updated-max=2016-02-17T10:07:00-08:00&max-results=20&start=4&by-date=false

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  2. Obrigado, Bruno.

    Ler os artigos do seu blog me inspirou a voltar a traduzir, apesar do pouco tempo.Em breve estarei postando outras traduções, mas sempre consultando seu trabalho, para que por ventura não venha eu a edificar sobre seu fundamento A verdade é que nossos conteúdos pordem ser complementares.

    Um grande abraço.

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    1. Eu tenho preferido escrever meus próprios artigos, mas caso eu vá fazer alguma tradução, entro em contato contigo para não termos retrabalho.

      Na verdade foi você que me inspirou. Sua tradução do Sullivan me incentivou a comprar o livro e com base nele escreve uma série de artigos sobre sucessão apostólica.

      Deus o abençoe!

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