sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A DOUTRINA DA INFALIBILIDADE PAPAL (ORIGENS)

Por Keith Mathison


Um desenvolvimento teológico de profunda importância para nosso estudo da Idade Média tardia é a introdução e o desenvolvimento da doutrina da infalibilidade papal.[1] As origens da doutrina da infalibilidade papal nos anos próximos a 1300 são uma história fascinante, mas o escopo desta obra focará nos pontos principais. Pelo fato de alguns traçarem as origens da doutrina da infalibilidade papal aos canonistas, estes serão o ponto inicial.[2] No século entre 1150 e 1250, um estudo dos escritos dos canonistas e teólogos revela que “eles não conheciam qualquer magistério conferido a Pedro com o poder das chaves; que eles criam que em questões de fé um concílio ecumênico era maior que o papa; que eles não sustentavam que pronunciamentos papais eram irreformáveis ex sese [em si mesmas].[3] Como Tierney aponta, “acima de tudo, os canonistas não ensinavam que o papa era infalível”.[4] Ao contrário, a posição que era geralmente sustentada contrastava a fé indefectível da Igreja com a falibilidade dos papas individuais. Os teólogos, que escreveram bem menos sobre o assunto, também compartilhavam desse ponto de vista geral.
Em 1254 uma disputa surgiu entre os frades mendicantes e os mestres seculares na Universidade de Paris.[5] Tanto dominicanos quanto franciscanos estavam envolvidos, mas são os franciscanos que requerem nossa atenção. A ordem deles havia recebido privilégios desde 1230, e sua dependência desses privilégios provaria ser problemática. O problema proveio de sua afirmação de que sua doutrina da “pobreza apostólica” não era simplesmente uma boa forma de viver ou a melhor forma de viver, mas que era um aspecto essencial da forma perfeita da vida de Cristo transmitida aos apóstolos.[6] Muitos deles alegavam que São Francisco havia sido o primeiro cristão a compreender corretamente o evangelho desde os tempos dos apóstolos e que os franciscanos eram os únicos membros da Igreja que verdadeiramente levavam vidas cristãs.[7] É claro que essas alegações eram altamente controversas e levantaram não pouca oposição. Boaventura, o cabeça da ordem franciscana, respondeu aos argumentos contra a ordem desenvolvendo uma teoria da pobreza que ele mesmo intitulou “condescendência”. Sem entrar em todos os detalhes, é suficiente dizer que em 1279, na bula Exiit qui seminat, o Papa Nicolau III deu sanção papal à doutrina de Boaventura e afirmou que “a forma franciscana de vida realmente corresponde à forma da perfeição que Cristo ensinou aos apóstolos”.[8]
O primeiro grande cristão medieval a afirmar a doutrina da infalibilidade papal foi Pedro de João Olivi, um franciscano altamente influente nas décadas que se seguiram à morte de Boaventura. Ele viveu e escreveu num período de tempo em que os franciscanos estavam divididos em dois grandes campos: a maior e menos rigorosa “Comunidade” e os rigorosos “espirituais”. O próprio Olivi foi um proeminente porta-voz dos espirituais.[9] A razão pela qual Olivi, ao contrário de Boaventura, desenvolveu a doutrina da infalibilidade papal, diferente de seu antecessor, foi seu medo constante da possibilidade de que um futuro pseudo-papa buscasse derrubar a fé verdadeira (i.e., a forma de vida franciscana). Na mente de Olivi, era necessário que os decretos dos papas (tais como Nicolau III) “fossem considerados como não apenas autoritativos para o presente, mas imutáveis, irreformáveis por todos os tempos”.[10] Isso, no entanto, era impossível dentro do quadro da doutrina da soberania papal dos canonistas. Eles entendiam que uma doutrina de infalibilidade limitaria a soberania de um papa individual. Olivi sabia muito disso. Sua “nova teoria da infalibilidade papal foi designada para limitar o poder dos papas futuros, não para libertá-los de qualquer restrição”.[11]
A nova doutrina de Olivi foi ignorada por quarenta anos, mas em 1322 o Papa João XXII revogou as provisões pró-franciscanas da Exiit e emitiu uma nova declaração sobre a doutrina da pobreza de Cristo.[12] Os franciscanos ficaram consternados e reagiram emitindo duas cartas encíclicas defendendo sua doutrina. O Papa João respondeu no fim de 1322 na bula Ad conditorem. Para João, “a ideia de que quaisquer decisões devessem ser incorrigíveis apresentava-se... simplesmente com uma ameaça a sua própria autoridade soberana”.[13] Essa bula provocou uma resposta apaixonada da parte dos franciscanos que apelaram contra ela ao próprio papa. Em novembro de 1323, o Papa João XXII emitiu seu julgamento final sobre a questão da pobreza de Cristo na bula Cum inter nonnulos. A bula refere-se à visão de que “Jesus Cristo e seus apóstolos não tiveram nada isoladamente ou em comum” como errônea e herética.[14] Pelo fato dessa bula explicitamente contradizer a antiga bula Exiit, os franciscanos começaram a asseverar a incorrigibilidade da primeira ao ponto de condenarem a visão de João como herética. Como Tierney nota,

A primeira condenação evidente de uma bula papal veio de... um grupo de dissidentes franciscanos que encontraram refúgio na corte do imperador excomungado Luís IV da Baviera. O protesto deles, incluído como um tipo de digressão no Apelo de Sachenhausen do Imperador em 24 de maio de 1324, não apenas defendia a doutrina da pobreza evangélica e denunciava João XXII como um herege por atacar a doutrina, mas também apresentava uma nova formulação da teoria da infalibilidade papal. Nesta obra, pela primeira vez, o antigo ensinamento de que uma das chaves que tinha sido entregue a Padro era a “chave do conhecimento” foi usado para apoiar a doutrina de que o papa era infalível quando usava essa chave para definir verdades sobre a fé e a moral. Foi um grande avanço teológico.[15]

O Apelo de Sachenhausen trouxe a discussão para o domínio do pensamento católico pela primeira vez.
Em novembro de 1324, João XXII respondeu na bula Quia quorundam que o “Pai da mentira” tem levado seus [do Papa] inimigos a defender a tese errônea de que “o que Pontífice Romano uma vez defina em questões de fé e moral com a chave do conhecimento seja tão imutável que não permita que um sucessor a revogue”.[16]

Os intercâmbios de 1324 são de interesse fascinante para um historiador da doutrina da infalibilidade papal. Aqui, pela primeira vez, uma doutrina da infalibilidade papal baseada sobre o poder petrino das chaves foi manifestamente proposta. Mas a doutrina teve por pai antipapas rebeldes e não teólogos da Cúria. E, longe de abraçar a doutrina, o Papa indignadamente a denunciou como uma invenção perniciosa.[17]

O mais impressionante sobre a doutrina da infalibilidade papal é que ela “foi inventada quase que fortuitamente por causa de uma concentração histórica de circunstâncias não usuais que fizeram surgir uma doutrina útil para um grupo particular de contendedores”.[18]

Não há evidência convincente de que a infalibilidade papal tenha constituído qualquer parte da tradição teológica ou canônica da Igreja antes do século XIII; a doutrina foi criada em primeiro lugar por uns poucos dissidentes franciscanos porque lhes era adequado e conveniente inventá-la; eventualmente, mas não somente após muita relutância, foi aceita pelo papado porque ela se adequava a conveniência dos papas em aceitá-la.[19]

A doutrina católica da infalibilidade papal não foi declarada como dogma oficial católico até o primeiro Concílio do Vaticano em 1870, mas sua origem pode ser traçada a essa obscura batalha do século XIII entre franciscanos radicais e o papado.

Extraído do livro The Shape of Sola Scriptura de Keith A. Mathison, pp. 58-61
Tradução Livre: Fabiano Raposo




[1] Para um excelente estudo histórico desta questão, veja Brian Tierney, Origins of Papal Infallibity: 1150-1350, (Leiden: E.J. Brill, 1988).
[2] Canonistas ou advogados canônicos eram aqueles que estudavam e sistematizavam as leis canônicas – regras da igreja estabelecidas para propósitos práticos de ordem e disciplina. Muito frequentemente os cânons de ordem e disciplina eram estabelecidos em concílios (tais como Nicéia em 325 d.C.). Mas a coleção e padronização da lei canônica alcançou seu ponto máximo na obra de Graciano, cujo decretum foi o livro-texto padrão por toda a Idade Média tardia.
[3] Tierney, op. cit., 57.
[4] Ibid.
[5] Um “mendicante” é alguém que depende de esmolas para viver
[6] Cf. Latourette, op. cit., I:429-436.
[7] Tierney, op. cit., 67-72.
[8] Ibid., 59-70.
[9] Ibid., 93-101.
[10] Ibid., 125.
[11] Ibid., 130.
[12] La Due, op. cit., 146-147.
[13] Tierney, op. cit., 178-179.
[14] Citado em Tierney, op.cit., 178-179.
[15] Ibid., 182.
[16] Citado em Tierney, op. cit., 186.
[17] Ibid., 187-188.
[18] Ibid., 274.
[19] Ibid., 281.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

PROBLEMAS COM A NOÇÃO SIMPLISTA DE SUCESSÃO APOSTÓLICA

Por Francis A. Sullivan

            O primeiro problema tem a ver com a noção de que Cristo ordenou os apóstolos como bispos. Por um lado, não há dúvida verdadeira de que o mandato que Cristo deu aos apóstolos incluía o triplo ofício de ensino, governo e santificação, que são descritos pelo Vaticano II como conferidos pela consagração episcopal (LG 21). Todavia, a exatidão em descrever os próprios apóstolos como “bispos” é outra questão. Um bispo é um pastor residencial que preside de forma estável sobre a igreja de uma determinada cidade e seus arredores. Os apóstolos eram missionários e fundadores de igrejas; não há evidência, e nem é de todo provável, que quaisquer deles tenham tido residência permanente em alguma igreja em particular como bispo.
            Uma segunda questão também surge: Os apóstolos ordenaram um bispo para cada uma das igrejas fundadas por eles? O Novo Testamento contém boas evidências de que as igrejas fundadas por São Paulo possuíam líderes locais, a quem os apóstolos instavam a comunidade a ser submissa. Na saudação de sua carta aos Filipenses Paulo faz especial menção aos episkopoi e diaconoi: termos que literalmente significam “supervisores” e “servos”, mas que no uso cristão vieram a significar “bispos” e “diáconos”. Durante o final de sua jornada em Jerusalém, Paulo fez um discurso de despedida para os líderes da igreja de Éfeso, aos quais Lucas chamou de “presbíteros”, mas que foram descritos por Paulo como tendo sido constituídos como episkopoi pelo Espírito Santo (Atos 20.17-35). Assim, há boas evidências de que durante o período do Novo Testamento, as igrejas cristãs possuíam líderes locais, alguns dos quais, pelo menos, eram chamados de “bispos”.
            No entanto, não fica claro se esses “bispos” de quem Paulo fala foram realmente escolhidos ou ordenados por ele. Em segundo lugar, não há evidência de que São Paulo, ou qualquer outro dos apóstolos, tenha apontado um desses líderes locais como pastor chefe de toda a igreja de uma cidade em particular. Ao invés disso, a evidência sugere que próximo ao fim do período do Novo Testamento a liderança e outros ministérios eram providos em cada igreja por um grupo de “presbíteros” ou “supervisores”, sem que houvesse uma só pessoa no cargo, exceto quando o apóstolo ou um de seus cooperadores estivesse presente. O Novo Testamento não oferece apoio para a teoria da sucessão apostólica que supõe que os apóstolos designaram ou ordenaram um bispo para cada uma das igrejas que eles fundaram.
            Também não encontramos suporte para tal teoria nos mais antigos escritos cristãos que nos vem do período pós-neotestamentário. De acordo com a Didaquê, uma comunidade que estivesse carente da liderança de um profeta deveria escolher homens dignos e designá-los como bispos e diáconos. Não há sugestão de que eles derivassem sua autoridade, de alguma maneira, de um apóstolo fundador. A carta dos romanos aos coríntios, conhecida como I Clemente, que data de cerca do ano 96, provê boa evidência de que cerca de trinta anos após a morte de Paulo, a igreja de Corinto era conduzida por um grupo de presbíteros, sem indicação da presença de um bispo com autoridade sobre toda a igreja. Contudo, I Clement afirma que os apóstolos fundadores tinha designado a primeira geração de líderes da igreja local e estabeleceram a regra de que quando esses homens morressem, outros deveriam ser designados para sucedê-los. Essa carta, então, atesta o princípio da Sucessão Apostólica no ministério, mas não dá suporte a ideia de que os apóstolos designaram um bispo para cada igreja que eles fundaram. Para I Clemente, o princípio da Sucessão Apostólica era concretizado no colégio dos presbíteros devidamente escolhidos. Muitos acadêmicos são de opinião de que a igreja de Roma também era, nessa época, conduzida por um grupo de presbíteros. Um documento romano do século II conhecido como O Pastor de Hermas apoia esta opinião.
            As cartas de Inácio de Antioquia, comumente datadas de cerca do ano 115, são os primeiros documentos que testemunham a presença de um bispo que é claramente distinto do presbiterato e é pastor de toda igreja de uma cidade. Todavia, esse testemunho é certo apenas para a igreja de Antioquia e para as várias igrejas da Ásia Menor ocidental, nas proximidades de Éfeso. Uma carta que Policarpo, bispo de Esmirna, escreveu aos filipenses, poucos anos após, indica que a igreja de Filipos, na época, ainda estava sendo governada por um grupo de presbíteros. Mais importante, nada nas cartas de Inácio sugere que ele via sua autoridade episcopal como derivada do mandato de Cristo dado aos apóstolos. Enquanto o papel e autoridade do bispo cumpra um maior tema em suas cartas, ele nunca invocou o principio da Sucessão Apostólica para explica-lo ou justificá-lo.
            Existe um amplo consenso entre os estudiosos, incluindo muitos católicos, que igrejas tais como Alexandria, Filipos, Corinto e Roma muito provavelmente foram conduzidas por breve tempo por um colégio de presbíteros, e que somente durante o curso do século II a tripla estrutura tornou-se a regra geral, com um bispo, assistido pelos presbíteros, presidindo sobre cada igreja local.

Extraído do livro From Apostles to Bishos do teólogo católico Francis A. Sullivan, S.J. pp. 14-16.
Tradução livre: Fabiano Raposo.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Sola Scriptura na Igreja Antiga

Por Keith Mathison
A fim de compreender a natureza do atual debate sobre a autoridade de Escritura, é necessário tomar conhecimento de algumas perspectivas históricas. Boa parte da confusão presente nesta discussão se deve a falha dos cristãos em honestamente examinar o ensinamento histórico daqueles crentes que lhes tem precedido na fé. Mais frequente do que nunca, registros históricos são usados com o único propósito de extrair textos-prova que apoiem um ponto de vista atualmente arraigado. O resultado é uma leitura anacrônica de ideias e teorias modernas nos escritos dos Pais da Igreja. Essa prática pode ser observada tanto em apologistas católicos romanos quanto em apologistas protestantes, e um esforço diligente dever ser feito para evitá-la.
            Muito do problema envolvido no debate histórico sobre a autoridade da Escritura diz respeito à ambiguidade que rodeia o significado da palavra “tradição”. No uso atual, o termo geralmente denota doutrinas não escritas transmitidas oralmente na igreja. É, portanto, diversas vezes contrastada com as Escrituras. Contudo, um notável consenso acadêmico mostra que na igreja primitiva, Escritura e Tradição, de forma alguma, eram conceitos mutualmente exclusivos, pois coincidiam um com o outro completamente.[1]
            O que isso quer dizer é que através da História da Igreja, incluindo a Reforma Protestante, o que encontramos muitas vezes não pode ser caracterizado acuradamente em termos de Escritura vs. Tradição. Em vez disso, o que encontramos são conceitos que competem pelo relacionamento entre Escritura e Tradição.[2] Isso ficará claro com o estudo que se segue.

OS PAIS APOSTÓLICOS
O termo “Pais Apostólicos” é normalmente usado em referência aos antigos autores cristãos cujos escritos não foram incluídos no cânon do Novo Testamento. Pelo fato de terem sido escritos no século imediatamente seguinte a morte de Cristo (c. 70-135 d.C.), eles são considerados como fontes primárias extremamente valiosas. Estes documentos oferecem insights inestimáveis para a vida e pensamento da igreja neste crucial período de transição.[3] Foi durante essa época que Roma saqueou Jerusalém, deixando a igreja a lutar com a questão de sua identidade frente-a-frente com o Judaísmo. Também foi durante esse período que o rápido crescimento e expansão geográfica da igreja  forçou-a a confrontar questões prementes de administração e governo. E foi durante este período de tempo que o último apóstolo morreu, forçando a igreja a lidar com a questão da autoridade.
            Nos pais apostólicos, alguém procurará em vão descobrir um esboço formal da doutrina das Escrituras tal como pode ser encontrado nos modernos livros-texto de teologia sistemática. A doutrina das Escrituras não se tornou um locus independente da teologia até o décimo-sexto século. O que podemos encontrar nos escritos dos pais apostólicos é um contínuo e consistente apelo ao Antigo Testamento e ao ensino dos apóstolos. Durante essas primeiras décadas seguidas a Cristo, contudo, não temos evidência demonstrando que a igreja considerava o ensino dos apóstolos confinado a documentos escritos.[4] Essa primeira geração da igreja viu muitos leigos e presbíteros (e.g., Policarpo) que foram pessoalmente próximos de um ou mais apóstolos e que ouviram suas pregações. Não temos razão para assumir que a doutrina apostólica não tenha sido fielmente ensinada nestas igrejas que não tiveram acesso a todos os escritos apostólicos. Cópias dos escritos dos apóstolos estavam em circulação entre as igrejas e foram citadas pelos pais apostólicos, mas nem todas as igrejas locais possuíam uma coleção completa de todos os vinte e sete livros posteriormente conhecidos como o Novo Testamento.
            Como já foi dito, temos um amplo consenso acadêmico de que Escritura e Tradição não eram conceitos mutualmente exclusivos na mente dos antigos pais. O conceito de “tradição”, quando usado por estes antigos líderes, se dá simplesmente para designar o corpo de doutrina que foi dado à Igreja pelo Senhor e seus Apóstolos, fosse através de comunicação verbal ou escrita.[5] O corpo de doutrina, contudo, foi essencialmente idêntico, independemente de como foi comunicado. Nenhuma evidência sugere que os Pais Apostólicos acreditavam ter acesso a qualquer tipo de tradição oral secreta. Neste ponto da História da Igreja, Escritura e Tradição eram conceitos coerentes; “não há nenhuma forma de imaginar um possível conflito entre a Escritura Cristã e a Tradição Cristã – e, portanto, não há necessidade de escolher entre elas”.[6] De fato, neste antigo momento da História da Igreja, o uso do termo “tradição” para denotar o depósito apostólico da fé seria, estritamente falando, anacrônico. O conceito de um depósito apostólico da fé existiu, mas nenhum termo específico, incluindo “tradição”, foi usado para denotá-lo.[7]
O fato de o Senhor ter comunicado seu ensinamento à Igreja também é importante no pensamento dos Pais Apostólicos. Nós não encontramos em seus escritos uma dicotomia entre o ensinamento apostólico e a Igreja Apostólica. A Igreja é distinguida da Escritura, mas as duas não são opostas.[8] A verdadeira doutrina apostólica poderia ser encontrada somente no verdadeiro corpo de Cristo – a Igreja Cristã.

O SEGUNDO E TERCEIRO SÉCULOS
No segundo e terceiro séculos, a luta da igreja contra a heresia gnóstica resultou em uma maior clarificação sobre o relacionamento entre Escritura, Tradição e Igreja. Por causa dos gnósticos que usavam textos escriturísticos para provar seus pontos de vista, e porque apelavam para alegadas tradições apostólicas, os pais foram forçados a explicar o verdadeiro relacionamento entre Escritura e Tradição. 

IRINEU (c. 130-200)
Irineu, o Bispo de Lião, foi um dos que estavam na linha de frente da Igreja antiga na batalha contra o Gnosticismo. Ele deixou para a Igreja uma obra de imenso valor intitulada Contra as Heresias. O livro é destinado a destruir as várias formas da heresia gnóstica e ao mesmo tempo defender o verdadeiro Cristianismo. De acordo com os gnósticos, a revelação do conhecimento redentor não estava viável a todos os homens. Ao invés disso, estava contida nas tradições apostólicas secretas que eram acessíveis apenas àqueles que foram introduzidos nos mistérios gnósticos.[9]
            Em defesa do Cristianismo apostólico, Irineu desenvolve o conceito de regula fidei ou “regra de fé”.[10] A regula fidei foi essencialmente o conteúdo da profissão de fé que cada catecúmeno era chamado a recitar de memória antes de seu batismo. Era um resumo da fé ensinada pelos apóstolos e confiada aos seus discípulos.[11] Enquanto os gnósticos apelavam para uma tradição secreta não escrita, Irineu apelava para a pública tradição da igreja. Isso significa que Irineu subordinava a Escritura à tradição? Não. Como Heiko Oberman salienta,

Irineu insiste que a regra de fé ou regra da verdade (regula fidei ou regula veritatis) é fielmente preservada pela Igreja apostólica e tem encontrado expressão multiforme nos livros canônicos. Há uma continuação intacta do kerigma anunciado na Santa Escritura. Uma forma de falar aqui de uma “escripturização” da proclamação apostólica que em sua forma escrita constitui o fundamento e pedra angular da fé.[12]

Para Irineu, essa “escripturização” significa que a fé apostólica tem sido salvaguardada por estar permanentemente escrita na Santa Escritura.[13] As duas, de forma alguma, eram opostas, e nem as Escrituras eram subordinadas à Tradição. Irineu simplesmente apela para essa regula fidei como um princípio hermenêutico necessário. O estudioso ortodoxo Georges Florovsky salienta que na Igreja antiga a exegese era “o principal e, provavelmente, único método teológico, e a autoridade das Escrituras era soberana e suprema”.[14] Mas a regula fidei foi o contexto necessário para a correta interpretação daquela Escritura autoritativa.[15] F.F. Bruce sumariza esse antigo entendimento da regra de fé:

Quando o sumário da tradição apostólica é chamada de regra de fé ou regra da verdade, a implicação é que essa é a norma da igreja, o padrão pelo qual tudo que se apresente como fé cristã ou doutrina cristã deve ser jugado, o critério para o reconhecimento da verdade e exposição do erro. Se na época é formalmente distinguida da Escritura no sentido de que é reconhecida como a interpretação da Escritura, em outras épocas é materialmente idêntica a Escritura no sentido de que ela resume o que a Escritura diz. Claramente o que foi escrito pelos apóstolos em suas cartas e o que foi entregue por eles oralmente aos seus discípulos e transmitido na tradição da Igreja deve ser um e o mesmo corpo de ensino.[16]

Esse conceito de regula fidei manteve-se como uma ferramenta crucial no arsenal da Igreja antiga contra o gnosticismo e outras heresias.

CLEMENTE DE ALEXANDRIA (c. 150-c. 215)
Uma das mais longas explanações do relacionamento entre Escritura, tradição e Igreja na antiga literatura cristã é encontrada nas Stromata [Miscelâneas] de Clemente de Alexandria. Clemente escreveu no contexto histórico da batalha contra o Gnosticismo, e o capítulo 16 do livro VII é devotado a uma elucidação da Escritura como o critério pelo qual a verdade e a heresia podem ser distinguidas. Logo na primeira sentença do capítulo 16, Clemente declara a necessidade de ter todas as coisas provadas pela Escritura: “Mas aqueles que estão prontos para labutar nas mais excelentes atividades não desistirão de procurar pela verdade até conseguir a demonstração das próprias Escrituras”.[17] Assim como Irineu, Clemente reconhece a necessidade da regula fidei como o contexto interpretativo de Escritura e explica melhor esse relacionamento no capítulo 17; mas ao longo deste capítulo é a própria Escritura que é considerada como o critério da verdade.[18]

TERTULIANO (c. 155-220)
A explicação do relacionamento entre Escritura, tradição e Igreja não difere de forma significativa daquela de Irineu. Assim como Irineu, Tertuliano não diferencia Escritura e Tradição; ao invés disso, alega que a pregação oral dos apóstolos foi posta por escrito na Escritura.[19] Para Tertuliano, como Kelly explica, “a Escritura tem autoridade absoluta; o que quer que ela ensine é necessariamente verdade, e a desgraça [“cai sobre”] aquele que aceita doutrinas não descobertas nela”.[20] Ao refutar um dogma particular do Docetismo, por exemplo, Tertuliano escreve, “mas não há evidência disso, pois as Escrituras nada dizem”.[21] Ao contender contra o patripassianismo de Praxeas, ele escreve, “Vamos nos contentar em dizer que Cristo morreu, o Filho do Pai; e que isso seja suficiente, pois as Escrituras tem-nos dito muita coisa”.[22] Em sua contenda contra o ensinamento de Hermógenes de que a matéria era eterna, ele diz, “Mas se todas as coisas foram feitas de qualquer matéria subjacente, eu tenho ainda falhado em encontrar. Onde tal declaração está escrita Hermógenes é quem deve nos dizer. Se não está escrita em lugar algum, então, deixemo-lo temer a desgraça que cai sobre todos os que adicionam ou subtraem da palavra escrita”.[23]
Também encontramos em Tertuliano “uma notável insistência sobre a decisiva diferença entre a tradição de Deus, preservada no cânon e as tradições dos homens (consuetudines)”.[24] No capítulo 13 de On Prescription Against Heretics [Prescrição contra os Hereges], Tertuliano condena como loucura a ideia de que os apóstolos “não revelaram tudo aos homens”, mas, ao invés disso, “proclamaram somente algumas coisas abertamente e ao mundo todo, enquanto divulgavam outras coisas (apenas) em secreto e a poucos”. Essa ideia gnóstica de uma tradição apostólica secreta é condenada de forma vívida por Tertuliano.
Assim como Irineu, Tertuliano esboça a regula fidei em um bom número de ocasiões em seus escritos.[25] No capítulo 13 de seu tratado Prescrição contra os Hereges, por exemplo, ele descreve a regra de fé como,

A crença de que há apenas um Deus, e que ele não é nenhum outro senão o Criador do mundo, que criou todas as coisas do nada por Sua própria Palavra, enviada em primeiro lugar; que essa palavra é chamada de seu filho, e, sob o nome de Deus, foi vista “de diversas maneiras” pelos patriarcas, ouvida em todos os tempos nos profetas e, por fim, trazida ao mundo pelo Espírito e Poder do Pai pela Virgem Maria, tornou-se carne em seu útero e nasceu dela como Jesus Cristo; daí em diante, ele pregou a nova lei e a nova promessa do reino dos céus, operando milagres; tendo sido crucificado, ressurgiu ao terceiro dia (então) tendo ascendido aos céus, sentou à direita do Pai; Enviou, em seu lugar, o Poder do Santo Espírito para ensinar a como crer; virá em glória para levar os santos ao gozo da vida eterna e das promessas celestiais e condenar os ímpios ao fogo eterno, após a ressurreição do corpo dessas duas classes de pessoas ter ocorrido, juntamente com a ressurreição de toda a carne.

Alguém irá notar a similaridade na forma geral entre o antigo esboço da regra de fé e o que mais tarde viria a ser conhecido como o credo dos apóstolos. A regra de fé, assim como o Credo dos Apóstolos, segue um esboço trinitariano, começando com uma confissão de fé no Pai seguida por uma confissão de fé no Filho e no Espírito. Também deve ser notado que como no caso de Irineu, para Tertuliano, as Escrituras de forma alguma estão subordinadas a essa “regra de fé”. São as Escrituras, de acordo com Tertuliano, que, “de fato, fornecem-nos a nossa regra de fé”.[26] Mas é a regra de fé que é o contexto hermenêutico para uma correta interpretação das Escrituras e a regra de fé apostólica tem como sua fonte os apóstolos, sendo elas mutualmente recíprocas e indivisíveis para Tertuliano.[27]

HIPÓLITO DE ROMA (c. 170-236).
Outro testemunho demonstrando a crença patrística numa única fonte de entendimento da alto-revelação de Deus pode ser encontrado nos Escritos de Hipólito. Em uma obra intitulada Against the Heresy of One Noetus [Contra a Heresia de um Noetus], Hipólito explica a fonte de nosso conhecimento de Deus.

Há, irmãos, apenas um Deus, e o conhecimento dele nós obtemos a partir das Escrituras e de nenhuma outra fonte. Pois, assim como um homem que deseja ser hábil na sabedoria deste mundo se encontrará inapto a chegar a ela por qualquer outro meio que não seja o domínio dos dogmas dos filósofos, assim também, qualquer de nós que deseje praticar a piedade estará inapto a aprender sua prática de qualquer outro abrigo que não sejam os oráculos de Deus. O que quer que as Escrituras declarem, devemos examinar; e o que quer que ela ensine, devemos aprender; e como o Pai deseja que nossa fé deva ser, assim devemos crer; e assim como o Filho deseja ser glorificado, assim devemos glorificá-lo; e como Ele deseja que o Santo Espírito seja outorgado, assim devemos recebê-lo. Não de acordo com a nossa própria vontade, nem mesmo usando violentamente essas coisas que são dadas por Deus, mas da maneira como ele tem escolhido ensiná-las pelas Santas Escrituras, assim devemos discerni-las.[28]

Hipólito não divorcia as Sagradas Escrituras da Igreja ou da regula fidei. De fato, ele inclui um sumário de como a Igreja usa a regula fidei em sua condenação a Noetus,[29] mas as Sagradas Escrituras são mantidas adiante como o único padrão e a única fonte para o conhecimento de Deus.

CIPRIANO (c. 200-258).
Mais um insight no entendimento da Igreja Antiga sobre o relacionamento entre Escritura, Igreja e tradição pode ser obtido através de um exame das cartas de Cipriano, o Bispo de Cartago. A questão dos cristãos excomungados foi um assunto controverso nesta época, e Cipriano brigou extensivamente com o Papa Estevão I sobre a querela do batismo.[30] O que é de interesse nesse ponto não é o assunto do debate tanto quanto a maneira do debate e os princípios expressos. Em uma carta escrita para explicar as ações de Estevão I, Cipriano acusa diretamente o Papa de erro. Ele escreve, “tenho enviado a vocês uma cópia de sua réplica; com a leitura dela, vocês observarão mais e mais seu erro em esforçar-se para manter a causa dos heréticos contra os cristãos e contra a Igreja de Deus”.[31] Ele continua,

Nada deixe ser inovado, diz ele, nada mantendo, exceto o que tem sido transmitido. De onde vem essa tradição? Ela descende da autoridade do nosso Senhor e do Evangelho, ou vem dos mandamentos e das Epístolas dos apóstolos? Para que essas coisas que estão escritas sejam cumpridas, Deus testemunha e admoesta, dizendo a Josué, o filho de Num: “O livro desta lei não deverá ser apartado de tua boca; mas tu meditarás nela dia e noite, para que possas observar e fazer de acordo com tudo o que está escrito nela”.[32]

Cipriano se entristece com o erro de Estafano: “Que obstinação é essa, ou que presunção, preferir a tradição humana à ordenança divina, e não observar que Deus está indignado e irado com as muitas vezes que a tradição humana afrouxa e invalida os preceitos divinos”.[33] Ele lamenta o fato de que “aquilo que é feito sem contato com a Igreja acaba sendo bastante defendido dentro da própria Igreja”.[34] E, argumentando contra o próprio papa que alegava estar meramente defendendo a antiga tradição da Igreja, Cipriano contrapõe, “nem deveria ser costume aquilo que rastejou entre alguns, para evitar que a verdade prevalecesse e conquistasse; pois costume sem verdade é a antiguidade do erro”.[35]
Em uma carta de Firmiliano, o Bispo de Cesárea, a Cipriano a respeito das ações do Papa Estevão I, nós obtemos outra testemunha da atitude da Igreja antiga sobre a autoridade. Firmiliano escreve, “Mas eles que estão em Roma não observam essas coisas em todos os casos que são transmitidas desde o início e em vão fingem ter autoridade apostólica”.[36] Ele argumenta que, por advogar heresia, o Papa Estevão I tem quebrado a paz e a unidade da Igreja Católica.[37] Não há nenhuma intimação aqui ou em qualquer outro lugar nos pais ante-nicenos de um charisma ou dom de infalibilidade dado ao Bispo Romano que automaticamente o preserva de desvios doutrinários da fé apostólica. Não apenas está assumida a possibilidade de grave erro, mas é abertamente declarado ter isso ocorrido.

O QUARTO E QUINTO SÉCULOS
O quarto e o quinto séculos da história da Igreja foram um período de grandes controvérsias e consolidações teológicas. Foi durante esse período de tempo que as intensas batalhas trinitarianas e cristológicas alcançaram seu clímax. Foi também durante esses dois séculos que os padrões de ortodoxia trinitariana e cristológica foram clarificados e explanados nos concílios ecumênicos de Nicéia (325 d.C.), Constantinopla (381 d.C.), Éfeso (431 d.C.) e Calcedônia (451 d.C.), e oficialmente foram estabelecidos no Credo Niceno-constantinopolitano e na Definição de Calcedônia.

ATANÁSIO (c. 296-373)
Considerado como o grande teólogo de seu tempo, Atanásio, o Bispo de Alexandria, foi uma personagem chave na batalha do quarto século contra a heresia ariana. Seus incansáveis esforços foram em grande parte responsáveis pelo grande Concílio Ecumênico de Nicéia em 325 d.C., que oficialmente condenou o Arianismo e reivindicou a ortodoxia doutrinária.[38]
Assim como os antigos hereges, os arianos apelavam para Escritura e, de fato, insistiam que toda a discussão deveria estar restrita ao texto da Escritura. A crítica de Atanásio a esses heréticos, portanto, provê um inestimável estudo do conceito de autoridade na Igreja antiga. Atanásio não nega a suficiência das Escrituras para a defesa da fé e da verdade. Muito pelo contrário, ele a afirmou explicitamente muitas vezes. Ele declara em algum lugar que “as sagradas e inspiradas Escrituras são suficientes para declarar a verdade”.[39] Em outro lugar, ele argumenta que “a Santa Escritura é, em todas as coisas, mais do que suficiente para nós” e urge “àqueles que desejarem mais destas questões a lerem a divina Palavra”.[40] E novamente ele diz, “a divina Escritura é suficiente em todas as coisas”.[41]
O erro dos hereges, de acordo com Atanásio, não está em seu apelo à Escritura, mas em seu apelo à Escritura tomada fora do contexto da fé apostólica, aquilo que Irineu se refere como a regula fidei. Como Florovsky nota,

Esta “regra”, contudo, não era, em sentido algum, uma autoridade “estranha” que seria imposta sobre as Sagradas Letras. Era a mesma “pregação apostólica” que foi posta por escrito nos livros do Novo Testamento; era, por assim dizer, essa pregação in epitome[42]

De acordo com Atanásio, a Santa Escritura é a paradosis ou “tradição” apostólica.[43] Não há nenhum conceito de segunda fonte de tradição. Em todo o seu debate com os arianos, Atanásio nunca apela a quaisquer “tradições” plurais.[44] Ele apela para a suficiência da Santa Escritura como interpretada dentro do contexto da regula fidei apostólica.

HILÁRIO DE POTIERS (c. 300-367).
A preocupação de interpretar as Escrituras autoritativas dentro do contexto da fé apostólica é repetida nos escritos de Hilário, o Bispo de Poitiers. A regra de fé apostólica e a Santa Escritura são essencialmente uma e a mesma para Hilário. Em seu tratado On the Councils, ele provê um breve esboço da tradição evangélica e apostólica e então conclui, “Pois em todas essas coisas que foram escritas nas divinas Escrituras pelos profetas e apóstolos nós cremos e seguimos verdadeiramente e com temor”.[45] As mesmas verdades as quais ele chama de tradições apostólicas, também são referidas por ele como escritas nas Escrituras.
Essas Escrituras, contudo, não podem ser interpretadas a parte do contexto da fé apostólica sem que seja destruído o seu significado. Ele escreve sobre os heréticos, “Tal é o erro deles, tal é o ensino pestilento deles; para sustentá-lo, eles tomam as palavras da Escritura, pervertendo seu significado e usando a ignorância dos homens como oportunidade de obter credibilidade para suas mentiras”.[46] A Escritura é a autoridade doutrinária final de acordo com Hilário, mas somente quando é interpretada corretamente. O mero uso da Escritura não garante seu correto manuseio.

CIRILO DE JERUSALÉM (c. 315-384).
Uma das mais fascinantes declarações feitas por qualquer dos antigos Pais da Igreja a respeito da autoridade das Escrituras é encontrada nas Leituras Catequéticas da Cirilo, Bispo de Jerusalém. Ele escreve:

Concernente aos divinos e santos mistérios da fé, nem mesmo uma declaração casual deve ser emitida sem as Santas Escrituras; nem devemos nós nos desviarmos para mera possibilidade ou artifícios de retórica. Nem mesmo a mim, que vos digo essas coisas, deem absoluta credibilidade, a não ser que recebas a prova das coisas que eu anuncio das Divinas Escrituras. Pois essa salvação na qual cremos depende não de raciocínios engenhosos, mas da demonstração das Santas Escrituras.[47]

Aqui encontramos declarada, da forma mais clara possível, a necessidade de firmes provas escriturísticas para todo artigo de fé. Cirilo diz a seus catecúmenos que não baseiem sua fé sobre plausibilidades ou argumentos engenhosos ou mesmo sobre sua própria autoridade como um Bispo, mas que a baseiem sobre provas claras da própria Santa Escritura.

O PERÍODO TRANSICIONAL
Até aqui o testemunho dos antigos pais da Igreja a respeito da questão da autoridade é consistente. A Escritura é a autoridade, mas deve ser interpretada de acordo com a regula fidei apostólica. Como notado por G.L. Prestige, “A voz da Bíblia seria plenamente ouvida apenas se seu texto fosse interpretado amplamente e racionalmente em concordância com o credo apostólico e a evidência histórica da prática do Cristianismo”.[48] Numa série de estudos históricos, o historiador da Igreja Heiko Oberman descreve as características dessa antiga posição patrística. Como ele explica, esse conceito fonte única de “tradição” tem duas qualidades primárias:

1. A origem divina e imediata da tradição juntamente com a insistência numa clara série de atos históricos de Deus na Regra de Fé ou Regra da Verdade.
2. A rejeição de tradições extra-escriturísitcas.[49]

Por uma questão de clareza, Oberman chama a “única tradição exegética de interpretação da Escritura de ‘Tradição I’”.[50] Essa foi a visão universalmente sustentada nos três primeiros séculos da Igreja. Durante o século IV, contudo, um período de transição se inicia quando muitos pais proeminentes começam a sugerir um conceito de dupla-fonte de tradição.

BASÍLIO, O GRANDE (c. 330-379)
É nos escritos de Basílio o Grande, no quarto século, que encontramos pela primeira vez a sugestão de “que o cristão deve igual respeito e obediência às tradições eclesiásticas escritas e não escritas, esteja contida nos escritos canônicos ou na tradição oral secreta transmitida pelos apóstolos através de seus sucessores”.[51] A passagem em questão é encontrada no tratado de Basílio On the Holy Spirit [Sobre o Espírito Santo]. Ele escreve,

Das crenças e práticas, quer geralmente aceitas quer publicamente prescritas que estão preservadas na Igreja, algumas podemos derivar de ensinamentos escritos; outras temos recebido como entregues a nós “em mistério” pela tradição dos apóstolos; e as duas estão relacionadas a verdadeira religião e possuem a mesma força. Ninguém as poderá contradizer; ninguém, em todos os eventos, ainda que moderadamente versado nas instituições da Igreja. Pois estávamos nós tentando rejeitar tais costumes como não tendo autoridade escrita, sobre a base de que elas possuíam importância pequena, intencionalmente injuriaríamos o Evangelho em seus pontos vitais; ou, mais: faríamos de nossa definição pública uma mera frase e nada mais.[52]

Como veremos, esses comentários de Basílio foram apreendidos na Idade Média tardia pelos teólogos e canonistas procurando defender uma segunda fonte autoritativa e extra-bíblica de revelação. E, enquanto é bem possível que o ensino de Basílio seja a primeira ocorrência possível do que Oberman chama de “Tradição II”, a defesa tem sido feita pelo teólogo Ortodoxo Georges Florovsky de que Basílio não quis dizer nada do tipo. Ele nota,

Em todo caso, alguém não seria constrangido pela contenção de São Basílio de que a dogmata foi entregue ou transmitida pelos Apóstolos en musterio. Seria uma flagrante má tradução se a vertêssemos como “em secreto”. A única versão exata seria: “pela forma de mistérios”, isto é, sob a forma de ritos e usos (litúrgicos), ou “hábitos”. De fato, é precisamente o que o próprio São Basílio diz: ta pleistia ton mustikon agraphos hemin empoliteuetai [Muitos dos mistérios são comunicados a nós por uma forma não escrita]. O termo ta mustika refere-se aqui, obviamente, aos ritos do Batismo e da Eucaristia, que são, para São Basílio, de origem “apostólica”. ... na verdade, todas as instâncias citadas por São Basílio nessa conexão são de natureza ritualística ou litúrgica.[53] 

Todos esses ritos litúrgicos, de acordo com Basílio, vêm de uma “silenciosa” e “privada” tradição. Mas, como nota Florovsky, “[e]ssa ‘silenciosa’ e ‘mística’ tradição, ‘que não tem se tornado pública’, não é uma doutrina exotérica, reservada para alguns de uma elite particular”. De fato, “a ‘elite’ era a Igreja”.[54] O contexto histórico lança alguma luz sobre esse conceito obscuro:

São Basílio está se referindo aqui ao que é agora denotado como disciplina arcani [Disciplina do Sigilo]. No século IV essa disciplina esteve em largo uso, foi formalmente imposta e advogada na Igreja. Ela foi relacionada à instituição do catecumenato e teve primariamente um propósito didático e educacional. Por outro lado, como São Basílio mesmo diz, certas “tradições” precisavam ser mantidas “não escritas” a fim de prevenir a profanação pelas mãos de infiéis. Esse destaque obviamente se refere aos ritos e usos. Deve ser lembrado neste ponto que na prática do quarto século, o Credo (também chamado de Oração Dominical) estava a parte desta “disciplina do sigilo” e não podia ser divulgada ao não-iniciado. O Credo foi restrito aos candidatos ao batismo, no último estágio de sua instrução, após terem sido solenemente arrolados e aprovados. O credo era comunicado ou “tradicionado” a eles pelo bispo oralmente e eles deveriam recitá-lo de memória perante ele... Os catecúmenos foram fortemente aconselhados a não divulgar o Credo aos de fora e a não comprometê-lo por escrito. Ele deveria ser escrito em seus corações.[55]

É contra o contexto e pano de fundo históricos que os comentários de Basílio devem interpretados e entendidos.

A única diferença entre dogma e kerygma estava na maneira de sua transmissão: o dogma é mantido “em silêncio” e os kerygmata são “públicos”... Mas seu intento é idêntico: eles transmitem a mesma fé de maneiras diferentes... Assim, a “tradição não escrita”, nos ritos e símbolos, realmente não adiciona nada ao conteúdo da fé escriturística; apenas põe essa fé em foco... O apelo de São Basílio à “tradição não escrita” foi, na verdade, um apelo à fé da Igreja... Ele asseverou que, a parte desta regra de fé “não escrita”, era impossível compreender o ensino e intenção da própria Escritura. São Basílio foi estritamente escriturístico em sua teologia: a Escritura foi para ele o critério supremo de doutrina.[56]

Basílio, em uma de suas muitas cartas, explicitamente declara ser a Escritura o critério supremo. Escrevendo sobre sua controvérsia com os heréticos, ele diz,

A queixa deles é que seus costumes não aceitam isso, e que a Escritura não concorda. Qual é minha resposta? Eu não considero justo que os costumes que entre eles existem deva ser respeitado como uma lei ou regra de ortodoxia. Se costumes devem ser tomados como prova do que é certo, então é certamente conveniente para mim apresentar ao meu lado o costume que aqui prevalece. Se eles rejeitam isso, nós claramente não somos obrigados a segui-los. Portanto, deixemos a Escritura divinamente inspirada decidir entre nós; e qualquer que seja o lado onde haja doutrinas em harmonia com a Palavra de Deus, em favor daquele lado estará o voto da verdade.[57]

A evidência parece indicar que, a despeito da ambiguidade inerente em suas palavras infames, que Basílio intentava ser compreendido como ensinando um conceito de revelação a partir de duas fontes.

GREGÓRIO DE NISSA (c. 335-c. 394).
Gregório, seu irmão Basílio o Grande e o grande amigo deles, Gregório de Nazianzo, são conhecidos pelos historiadores como os Pais Capadócios. Estes homens são mais conhecidos por suas detalhadas defesas do Trinitarianismo Niceno contra os ataques dos heréticos arianos. Gregório, que foi ordenado bispo de Nissa, escreveu um grande número de tratados filosóficos, teológicos e apologéticos. Uma dessas obras, intitulada On the Soul and the Ressurrection [Sobre a Alma e a Ressurreição], contém uma declaração resumida de sua visão da autoridade das Escrituras. O livro é apresentado em forma de um diálogo entre Gregório e Macrina, que é referido como “o Mestre”. Através do livro, Gregório levanta objeções à doutrina cristã e o mestre responde. Próximo ao início do tratado, Gregório sumariza a resposta cristã ortodoxa às especulações dos filósofos. Ele escreve,

Mas enquanto que o último procedeu, sobre o assunto da alma, tanto na direção das supostas consequências quanto ao agrado do pensador, nós não temos direito a tal licença, quer dizer, não podemos afirmar o que nos agrada; nós fazemos das Sagradas Escrituras nossa regra e padrão para qualquer dogma; nós necessariamente fixamos nossos olhos sobre isso e tão somente aprovamos aquilo que pode ser harmonizado com o sentido desses escritos.[58]

Embora escrito num contexto de debate filosófico, a intenção da declaração de Gregório é clara: a Escritura é a norma doutrinal da fé cristã.
            J.N.D. Kelly sugere que Gregório fez diferença entre a Escritura e uma tradição extra-escriturística quando, em seu desejo de provar a geração única do Filho, argumentou ser suficiente “que a tradição veio até nós por nossos pais, transmitida como uma herança, por sucessão dos apóstolos e dos santos que os sucederam”.[59] Não está claro, contudo, que Gregório quis dizer algo diferente aqui do que aquilo que os antigos Pais entendiam por seu uso da tradição. De fato, o próprio Gregório explica em outro lugar:

A fé cristã, que está em acordo com o mandamento de Nosso Senhor, tem sido pregada a todas as nações por seus discípulos, não de homens nem por homens, mas por Nosso próprio Senhor Jesus Cristo... Ele, digo, apareceu sobre a terra e “conversou com os homens”, que os homens deveriam não mais ter opiniões de acordo com suas próprias noções a respeito da auto-existência, formulando uma doutrina que sugira ou que venha a eles a partir de vagas conjecturas, mas devemos estar convictos de que Deus foi verdadeiramente manifesto em carne e crer que este é o único e verdadeiro “mistério da piedade”, que foi entregue a nós pelo grande Verbo e Deus, que de si mesmo falou aos Seus Apóstolos, e que devemos receber o ensino concernente à natureza transcendental da deidade que é dado a nós, por assim dizer, “através do vidro escuro”, das velhas Escrituras – da lei, dos profetas e dos livros sapienciais [de sabedoria] –, como evidência da verdade completamente revelada a nós, reverentemente aceitando o significado das coisas que tem sido ditas, bem como em acordo com a fé apresentada pelo Senhor em toda a Escritura, cuja fé nós guardamos como a recebemos, palavra por palavra, em pureza, sem falsificação, julgando até mesmo a mais ligeira divergência das palavras entregues a nós como uma extrema blasfêmia e impiedade... Na fé, então, que foi entregue por Deus aos Apóstolos não admitimos nem subtração nem alteração nem adição, sabendo indubitavelmente que aquele que presume perverter a Divina expressão por sofismas desonestos “tem por pai o demônio”, que deixa as palavras da verdade e “fala de si mesmo” tornando-se o pai da mentira.[60]

A ênfase, através desta passagem é que a fé – a tradição – que é transmitida está claramente escrita “palavra por palavra”. Em outras palavras, são as Escrituras apostólicas juntamente com as velhas Escrituras (Antigo Testamento), as quais Gregório não admite subtração, alteração ou adição.

JOÃO CRISÓSTOMO (c. 347-407).
Considerado um dos “doutores” da Igreja, João passou uma série de anos servindo como diácono e presbítero na igreja de Antioquia. Seu dom de pregação foi tão admirado que mais tarde lhe rendeu o apelido Crisóstomo ou “boca de ouro”. Em 398 a.C., João tornou-se bispo de Constantinopla, uma das grandes sedes da Igreja antiga. Mas foi pelo seu dom de pregação que ele se destacou.
Diferentemente de Basílio e Gregório de Nissa, cujo suporte a tradição II é no mínimo ambíguo, parece que João abraça um conceito de dupla-fonte de revelação. Enquanto que ele assevera, sem hesitação, a autoridade das Escrituras, parece também asseverar a existência da autoridade de tradições apostólicas não escritas. Uma declaração explícita da visão de João a respeito da autoridade da Escritura é encontrada em seu sermão sobre 2 Timóteo 3.16-17. Em seu exame desta passagem, João cuidadosamente comenta cada frase. Ele escreve a respeito das formas pelas quais a Escritura é rentável para a doutrina:

Pois daí saberemos se devemos ouvir ou ser ignorantes de qualquer coisa. E daí poderemos refutar o que é falso, daí poderemos ser corrigidos e trazidos a um correto entendimento, poderemos ser confortados e consolados, e se faltar alguma coisa, poderemos tê-la adicionada a nós.
“Para que o homem de Deus seja perfeito”. Pois esta é a exortação que a Escritura traz, que o homem de Deus seja aperfeiçoado por ela; sem isso, portanto, ele não pode ser perfeito. Tu tens as Escrituras, ele diz, em meu lugar. Se aprendeste qualquer coisa, aprendeste dela. E se assim ele escreveu para Timóteo, que era cheio do Espírito, quanto mais a nós![61]

Um dos mais interessantes comentários que João faz aqui é sua asserção de que as Escrituras são o que o homem de Deus agora tem “em lugar de” um Apóstolo. A autoridade dos Apóstolos é agora encontrada nos seus escritos – as Escrituras. Em outro lugar, João diz aos seus leitores, “exorto e suplico a todos vocês, desconsiderem o que esses homens pensam a respeito destas coisas, e investiguem a partir das escrituras todas elas”.[62]
Isso, no entanto, não é tudo o que João tem a dizer. Em uma homilia sobre 2 Tessalonicenses 2.15, João diz o seguinte,

É manifesto que eles [os Apóstolos] não entregaram tudo por epístola, mas muitas coisas também não escritas e, de igual maneira, tanto uma quanto outra são dignas de crédito. Portanto, deixe-nos pensar na tradição da Igreja como também digna de crédito. É uma tradição, não procure outra coisa.[63]

Conquanto seja possível que João não tenha tentando dizer mais do que Basílio, a distinção específica entre o que é escrito e o que é não escrito é clara.

AGOSTINHO (354-430)
Provavelmente o maior teólogo dos primeiros mil anos da Igreja, Agostinho, o Bispo de Hipona, é conhecido popularmente por suas Confissões. Igualmente importante, embora menos familiar a maioria, são suas inúmeras obras teológicas tais como Sobre a Trindade, os escritos anti-pelagianos e sua enorme e altamente influente Filosofia da História – A Cidade de Deus.
De acordo com Oberman, Agostinho é claramente um antigo proponente da Tradição II – o conceito de tradição que permite uma fonte extra-bíblica de revelação autoritativa. Por exemplo, em seu tratado moral Sobre o Bem da Viuvez, ele escreve,

O que mais posso te ensinar do que aquilo que lemos nos Apóstolos? Pois a Santa Escritura estabelece uma regra para nosso ensinamento, que não ousemos “ser mais sábios do que nos convém”.[64]

Igualmente em A Unidade da Igreja, ele escreve,

Não vamos ouvir: Isso eu digo, isso você diz; mas, assim diz o Senhor. Certamente são os livros do Senhor sobre cuja autoridade nós concordamos e cremos. Nós vamos seguir a Igreja, lá vamos discutir nosso caso... Deixemos que estas coisas sejam removidas de nosso meio as quais nós citamos uns contra os outros não dos livros divinos canônicos, mas de outros lugares. Alguém talvez possa perguntar: Por que você quer remover essas coisas do seu meio? Porque eu não quero que a santa Igreja prove por documentos humanos, mas por oráculos divinos.[65]

Agostinho também deixa claro que a regula fidei é essencialmente um sumário da Santa Escritura. Em um sermão para catecúmenos, ele declara que as palavras do Credo “que tendes ouvido estão nas Divinas Escrituras de ponta a ponta, foram aí reunidas e resumidas em uma”.[66]
Se isso fosse tudo o que Agostinho disse, poderíamos concluir confiantemente que ele compartilhava do mesmo conceito de tradição ensinado nos três primeiros séculos. Contudo, conquanto Agostinho assevere a autoridade da revelação escriturística, ele também sugere que há uma tradição oral autoritativa extra-escriturística. Isso fica muito óbvio em seus escritos sobre questões tais como o batismo. Ele escreve, por exemplo, em um tratado sobre o assunto, “se qualquer um seguir a autoridade divina neste assunto, embora o que seja mantido por toda a Igreja não tenha sido instituído pelos Concílios, mas como uma questão de costume invariável, é certamente claro ter sido transmitido pela autoridade apostólica”.[67] E em um comentário sobre a controvérsia de Cipriano com o Papa Estevão I, ele adiciona,

“Os Apóstolos”, de fato, “não deram injunções sobre o ponto”; mas o costume, que é oposto a Cipriano, pode ser sustentado por ter tido sua origem na tradição apostólica, assim como há muitas coisas que são observadas por toda a Igreja, e, portanto, são justamente mantidas por terem sido ordenadas pelos apóstolos, ainda que não mencionadas em seus escritos.[68]

Em face disso, essa declaração, bem como as outras, parece indicar que Agostinho advogava um conceito de dupla-fonte da tradição. E é bem possível que ele abraçasse essa visão. É certamente verdade que essa sua declaração foi mais tarde interpretada dessa forma. Mas quando consideramos o fato de que seus sugestivos comentários (assim como os de Basílio) quase todos ocorrem dentro de contextos de debates sobre questões litúrgicas e espirituais, deve-se manter aberta a possibilidade de que Agostinho não quis dizer nada mais do que Basílio quis e nem intentou advogar um novo conceito de tradição.
Em adição aos comentários feitos por Agostinho a respeito da Escritura e Tradição, há numerosas declarações em seus escritos sobre a autoridade da Igreja. Talvez a mais controversa declaração que Agostinho carregue sobre a questão da autoridade eclesiástica é uma feita em seus escritos anti-maniqueu. A própria declaração é lida como se segue: “De minha parte, eu não creria no Evangelho se não fosse levado pela autoridade da Igreja Católica”.[69] Este breve comentário tem sido um texto prova fundamental para as modernas alegações eclesiásticas do Catolicismo Romano, mas permanece sendo discutido se ela pode sustentar o peso que lhe foi colocado. Como Oberman explica, a asserção de Agostinho de “prioridade prática” foi mais tarde interpretada como uma asserção de “prioridade metafísica”.[70] A verdadeira linguagem e contexto do comentário de Agostinho, contudo, não permitem esta interpretação. Oberman salienta que “levado” é uma tradução do Latim commovit me e que aqui “a Igreja deve ser entendida como tendo uma autoridade de direcionar (commovere) o crente à porta que conduz à plenitude do próprio mundo”.[71] Florovsky explica a importância de uma leitura contextual de Agostinho:

A frase deve ser lida em seu contexto. Antes de tudo, Santo Agostinho não proferiu esta sentença sobre seu próprio nome. Ele falou da atitude que um simples crente deveria tomar quando confrontado com a alegação herética de autoridade. Em sua situação, era apropriado para um simples crente apelar para a autoridade da Igreja da qual e na qual tem recebido o próprio Evangelho: ipsi Evangelio catholicis praedicantibus credidi. [Eu creio no próprio Evangelho, sendo instruído pelos pregadores da Igreja]. O Evangelho e a pregação da Igreja Catholica permanecem juntos. Santo Agostinho não tinha intenção de “subordinar” o Evangelho à Igreja. Ele apenas queria enfatizar que o “Evangelho” é, de fato, recebido sempre no contexto da pregação católica da Igreja. Apenas neste contexto pode ser acessível e devidamente entendido. Na verdade, o testemunho da Escritura é, em última instância, “auto-evidente”, mas apenas para o fiel, para aqueles que têm alcançado certa maturidade “espiritual” – e isso só é possível dentro da Igreja. Ele opôs esse ensino e pregação auctoritas [autoridade] da Igreja Católica às pretensiosas divagações da exegese de Maniqueu. O Evangelho não pertencia a Maniqueu. Catholicae Ecclesiae auctoritas [a autoridade da Igreja Católica] não era uma fonte independente de fé, mas um princípio indispensável da sã interpretação. Na realidade, a sentença poderia ser assim convertida: ninguém crê na Igreja a não ser que seja levado pelo Evangelho. O relacionamento é estritamente recíproco.[72]

Nisso Agostinho está de acordo com os antigos Pais que insistiram na necessária função da Igreja. A evidência simplesmente não sustenta o conceito medieval e tardio de uma Igreja que possui prioridade metafísica sobre a Santa Escritura. Essa interpretação (que persiste até hoje) deriva de uma sentença tomada fora de seu contexto e de uma leitura que vai bem mais além do que o contexto permite.
A evidência, no entanto, dá um possível apoio à asserção de Oberman de que Agostinho é um dos primeiros (senão o primeiro) Pais Latinos a explicitamente endossar um conceito de dupla-fonte de revelação. Isso é significante porque, como Pelikan nota, “de carta forma, em um grau maior do que qualquer outro pensador cristão fora do Novo Testamento, Agostinho tem determinado a forma e o conteúdo da doutrina da Igreja na história do Cristianismo Ocidental”.[73]

O CÂNON VICENTINO
Como temos visto, a questão de como distinguir a verdade da heresia tem sempre confrontado a Igreja. A partir do século primeiro em diante, heresias surgiram, e os cristãos foram forçados a combatê-las. Temos visto a maneira pela qual o conceito de regula fidei desenvolveu-se e guiou os apologetas patrísticos. Um dos mais completos e influentes tratamentos da questão de discernimento encontrado nos antigos pais cristãos é o Commonitorium [Comunitório] de Vicente de Lérins.

VICENTE DE LÉRINS (? - c. 450).
Pouco conhecido é o autor do Comunitório. O livro é assinado por um nome fictício, mas é atribuído a Vicente de Lérins por Genádio no fim do quinto século, e seu julgamento tem sido aceito de forma quase unânime. O objetivo do livro é prover um padrão ou regra pela qual a verdade cristã e apostólica possa ser distinguida da heresia.[74] Devido a sua significância, as partes relevantes dos comentários de Vicente de Lérins serão citadas em sua totalidade:

Todo cristão que queira desmascarar as intrigas dos hereges que brotam ao nosso redor, evitar suas armadilhas e se manter íntegro e incólume numa fé incontaminada, deve, com a ajuda de Deus, apetrechar sua fé de duas maneiras: com a autoridade da lei divina ante tudo, e com a tradição da Igreja Católica.
Sem embargo, alguém poderia objetar: Posto que o Cânon das Escrituras é em si mais que suficientemente perfeito para tudo, que necessidade há de se acrescentar a autoridade da interpretação da Igreja? Precisamente porque a Escritura, por causa de sua mesma sublimidade, não é entendida por todos de modo idêntico e universal. De fato, as mesmas palavras são interpretadas de maneiras diferentes por uns e por outros. Se pode dizer que tantas são as interpretações quantos são os leitores. ... É, pois, sumamente necessário, ante as múltiplas e arrevesadas tortuosidades do erro, que a interpretação dos Profetas e dos Apóstolos se faça seguindo a pauta da interpretação católica.
Na Igreja Católica deve-se ter maior cuidado para manter aquilo em que se crê em todas as partes, sempre e por todos. Isto é verdadeira e propriamente católico, segundo a ideia de universalidade que se encerra na mesma etimologia da palavra. Mas isto se conseguirá se nós seguirmos a universalidade, a antiguidade e o consenso geral. Seguiremos a universalidade se confessarmos como verdadeira e única fé a que a Igreja inteira professa em todo o mundo; a antiguidade, se não nos separarmos de nenhuma forma dos sentimentos que notoriamente proclamaram nossos santos predecessores e pais; o consenso geral, por último, se, nesta mesma antiguidade, abraçarmos as definições e as doutrinas de todos, ou de quase todos, os Bispos e Mestres.[75]

Para o propósito deste estudo, deve ser determinado se Vicente de Lérins sustentava o conceito de fonte única, ou de fonte-dupla de tradição. Ele abraça a “Tradição I” ou a “Tradição II”?
Oberman nota que a visão de Vicente de Lérins não permite uma tradição extra-escriturística. Vicente de Lérins não rejeita a suficiência material da Escritura, apenas a suficiência formal.[76] Ele argumenta que a Escritura deve ser interpretada pela Igreja porque os hereges tem repetidamente promovido suas muitas falsas interpretações. Todavia, “o único propósito da interpretação é a preservação: a fé uma vez declarada aos apóstolos deve ser protegida das mudanças que surgem de sua perversão”.[77] Como Florovsky nota,

A tradição, segundo Vicente de Lérins, não era uma instância independente, nem uma fonte complementar da fé. O entendimento eclesiástico não podia acrescentar nada à Escritura. Mas foi apenas um meio de apurar e divulgar o verdadeiro sentido da Escritura. A tradição de fato era a interpretação autentica da Escritura. E nesse sentido, era co-extensiva com a Escritura. A tradição, na verdade, era a Escritura corretamente interpretada. E para Vicente de Lérins, a Escritura era o único, primeiro e último, cânon da verdade cristã.[78]

Nisto, Vicente de Lérins estava sendo completamente consistente com o conceito de tradição dos antigos Pais. Vicente não estabelece qualquer tradição oral secreta como padrão apropriado de interpretação; ao contrário, ele descobre esse padrão no consenso dos Pais. Ainda assim, é importante notar, como observa Oberman, que “Vicente de Lérins não deseja que a interpretação da Igreja, a qual se pode chamar de tradição exegética, torne-se uma segunda fonte ou tradição a parte da Santa Escritura”.[79] Mesmo os mais piedosos pais “são, em princípio, magistre probabilesi [mestres dignos de aprovação], mestres cujos enunciados são prováveis, mas que não se constituem em provas”.[80]
Em Vicente de Lérins encontramos um dos mais completos exames antigos do vexatório problema da autoridade. O padrão que Vicente de Lérins apresenta pelo qual alguém pode distinguir a verdade do erro é consistente com o conceito de fonte-única de tradição (Tradição I) encontrada universalmente nos antigos Pais. Sua visão de uma tradição exegética autoritativa é diretamente oposta a qualquer tipo de conceito de dupla-fonte de tradição.[81]

 A AUTORIDADE DOS PAIS, DOS CREDOS E DOS CONCÍLIOS
A atitude patrística para com a autoridade dos concílios, dos credos e de seus predecessores também conta neste debate. A discussão de Irineu e Tertuliano ilustra a importância da regula fidei nas primeiras décadas da história da Igreja. É importante notar a forma gradual pela os credos mais antigos foram construídos sobre a regra de fé. Como explica F.F. Bruce,

Em Irineu, Tertuliano e Orígenes encontramos esse sumário do conteúdo do ensinamento dos apóstolos em três sessões relativas, respectivamente, a Deus Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Isso é semelhante à confissão batismal primitiva das igrejas gentílicas, que consistiam de uma resposta afirmativa à pergunta tripla formulada mais ou menos assim: Crês em Deus Pai? E em Seu Filho Jesus Cristo? E no Santo Espírito? A resposta a esta tripla pergunta forma o esqueleto no qual foram construídos os antigos credos, dos quais o mais conhecido é o Credo Romano, que foi ancestral daquilo que chamamos de Credo Apostólico. Mas mesmo o antigo credo romano e, de uma forma muito mais acentuada, os credos das igrejas orientais (culminando no Credo de Nicéia, que nós chamamos tradicionalmente de Credo Niceno) ampliaram a resposta tripla original por meio de tais sumários da fé como encontrados em Irineu, Tertuliano e Orígenes. Assim, mesmo se a confissão batismal e a “regra de fé” fossem independentes na origem, eles vieram em tempo, interpretar um ao outro, até que a partir do século IV em diante, os credos ecumênicos substituíssem o apelo à regra de fé.[82]   

Os credos foram essencialmente uma continuação da regula fidei, expressando as mesmas verdades de uma forma mais completa.
Nos primeiros três séculos da Igreja, os concílios eram reuniões ocasionais mantidas para discutir e decidir assuntos concernentes às muitas igrejas locais. Os antigos concílios foram considerados mais como “eventos carismáticos” do que como instituições eclesiásticas.[83] Os primeiros concílios nunca foram aceitos como válidos apesar da aparência de regularidade formal. Que isso é verdade fica claro quando do percebemos que muitos concílios foram dissolvidos.[84] Nos século IV e V ocorreram quatro concílios que obtiveram um lugar de proeminência especial na Igreja e foram designados como “concílios ecumênicos”.[85] Estes concílios trataram de significantes questões trinitárias e cristológicas que estavam causando divisões na Igreja.
Até a divisão entre igrejas orientais e ocidentais, um concílio ecumênico era definido como um “sínodo cujos decretos têm encontrado aceitação pela Igreja em todo o mundo”.[86] Sua aceitação na Igreja antiga é ilustrada pela forma com a qual alguns antigos cristãos se referem à Igreja como “a Igreja dos quatro evangelhos e dos quatro concílios”.[87] Seu propósito, contudo, não era suplantar a Escritura. Seu propósito era defender a intepretação apostólica da Escritura conta os ataques dos heréticos. Atanásio, por exemplo, escreveu a seguinte resposta a Ário chamando por outro concílio após Nicéia: “em vão, então, correm eles com o pretexto de que exigiram concílios por causa da fé; pois a escritura divina é suficiente sobre todas as coisas”.[88]
Similarmente, descobrimos que o apelo patrístico aos Pais mais antigos não é um apelo a autoridade igual ou maior que a das Escrituras. Como Florovsky nos lembra, “deve-se ter em mente que o principal, senão o único, manual de fé e doutrina na Igreja antiga foi, precisamente, a Santa Escritura”.89  O apelo aos Pais era feito a fim de garantir fidelidade à adequada interpretação da escritura autoritativa. Como J.N.D. Kelly observa, “a autoridade dos Pais consistia precisamente no fato de que eles haviam exposto a real intenção dos escritores bíblicos de modo muito fiel e completo”.90 A Escritura era a norma doutrinal dos Pais. A mais clara evidência disso está no fato de que,

Quase todo o esforço teológico dos Pais, fossem seus objetivos polêmicos ou construtivos, foi despendido sobre o que equivalia à exposição da Bíblia. Mais ainda, era em todo lugar dado como certo que para qualquer doutrina ganhar aceitação, teria primeiro de estabelecer suas bases escriturísticas.91

Esse é o porquê dos Pais serem citados na Igreja antiga – porque eles eram intérpretes fieis das Escrituras. Eles não eram citados como uma segunda fonte de revelação ou uma segunda autoridade em pé de igualdade com as Escrituras.

SUMÁRIO
Para os primeiros três séculos, encontramos um consenso geral no quis diz respeito à autoridade. O Novo Testamento que foi a “escripturização” da proclamação apostólica, juntamente com as “antigas Escrituras”, foi a fonte de revelação e a norma doutrinal autoritativa. A Escritura deveria ser interpretada pela Igreja e a Igreja dentro do contexto da regula fidei. Se fosse tomada fora desse contexto apostólico, seria inevitavelmente mal utilizada. No entanto, nem a Igreja e nem a regula fidei foram consideradas segundas fontes de revelação ou autoridades iguais, em pé de igualdade com a Escritura. A Igreja era a intérprete e guardiã da Palavra de Deus, e a regula fidei era um sumário da pregação apostólica e do contexto hermenêutico da Palavra de Deus. Mas apenas a Escritura era a Palavra de Deus. Em outras palavras, nos três primeiros séculos, a Igreja sustentou o conceito de tradição definido por Oberman como “Tradição I”.
No quarto século, as primeiras sugestões de um conceito de dupla-fonte de tradição – que permitisse uma revelação autoritativa extra-escriturística como a própria Escritura – começou a aparecer. Essa posição da dupla-fonte, ou “Tradição II”, possivelmente está sugerida nos escritos de Basílio e Agostinho. E conquanto seja incerto se realmente estes Pais intentaram defender a “Tradição II”, é certo que esse entendimento da tradição teria sido estranho aos Pais mais antigos. Sua sugestão nos escritos de Agostinho, todavia, assegurou a ela o seu lugar no pensamento medieval.

Extraído do livro de Keith Mathison The Shape of Sola Scriptura (A Forma da Sola Scriptura), pp. 19-48

  




[1] Veja Ellen Flessemann van Leer, Tradicion and Scripture in Early Church (Assen, 1993); J.N.D. Kelly, A Patrísitca, (Edições Vida Nova, 1994), 29-51; R.P.C. Hanson, Tradition in Early Church, (London, 1962); Heiko Oberman, Dawn of the Reformation, (Edinburgh T&T Clark Ltd., 1986), 269-296; The Harvest of Medieval Theology, (Cambridge: Harvard University Press, 1963); Jaroslav Pelikan, Obedient Rebels (London: SCM Press Ltd., 1964); F.F. Bruce, Tradition: Old and New (Grand Rapids: Zondervan, 1970).
[2] Cf. Oberman, Dawn the Reformation, 270
[3] Veja J.B. Lightfoot e J.R. Harmer The Apostolic Fathers, segunda edição, Editado por Micheal W. Holmes (Grand Rapids: Baker Book Hause, 1989), 1-15.
[4] J.N.D. Kelly, A Patrística, 33.
[5] O termo paradosis (tradição) foi apenas raramente usado no período dos pais apostólicos. Clemente, por exemplo, usa a frase “a gloriosa e santa regra de nossa tradição” para descrever o depósito da fé (7:2). O verbo paradidonai, por outro lado, é bem mais comum, mas mesmo ele não tinha, neste ponto da história, adquirido qualquer significado técnico específico.
[6] Albert C. Ouder, citado em Jaroslav Pelikan, Obedient Rebels, 173.
[7] Kelly, op.cit., 34-35.
[8] Geoffrey W. Bromiley, “The Church Fathers and Holy Scripture”, em Scripture anf Truth, ed. Por D.A. Carson e John D. Woodbridge, (Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1938), 218-219.
[9] Jaroslav Pelikan, The Christian Tradition, vol. 1:The Emergence of the Catholic Tradition, (Chicago: The University of Chicago Press, 1971), 92. Cf. H.E.W. Turner, The Patterno f Christian Truth, (A.R. Mowbray & Co. Ltd., 1954), 310.
[10] Pode ser encontrado, por exemplo, no livro III, 4, 2 de Contra as Heresias.
[11] Bruce, op. Cit., 115-116.
[12] Oberman, op. Cit., 272. Veja também Kelly A patrística, 38-39.
[13] Contra as Heresias III, 1,1. Cf. Kelly op. Cit., 38.
[14] Georges  Florovsky, Bible, Church, Tradition: An Eastern Ortodox View, (Bucherver-triebsanstalt, 1987), 75.
[15] Ibid.
[16] Bruce, op. cit., 117-118.
[17] Salvo indicação em contrário, todas as citações patrísticas são extraídas dos 38 volumes da Edição Inglesa dos padres da Igreja publicados pela Wm. B. Eerdmans e T&T Clark.
[18] É interessante notar que a doutrina da perpétua virgindade de Maria, para a qual Roma alega tradição contínua e universal, é explicitamente declarada por Clemente ser falsa neste capítulo.
[19] Kelly, op. cit., 39.
[20] Ibid.
[21] Sobre a Carne de Cristo, cap. VI. Docetismo (do Grego dokein, significa “pensar ou supor”) foi uma antiga heresia que negava a realidade da encarnação. De acordo com os docetistas, o corpo humano de Cristo apenas “aparentava” ser real.
[22] Against Praxeas, cap. 29.
[23] Against Hermogenes, cap. 22.
[24] Oberman, op. cit., 274.
[25] Eg., On Prescriotion Against Heretics, cap. 13; Against Praxeas, Cap. 2; On the Veiling of Virgins, cap. Cap. 1
[26] Against Praxeas, cap.11.
[27] On Prescription Against Heretics, cap.19.
[28] Against Noetus, cap. 9.
[29] Ibid., cap. 1.
[30] William La Due, The Chair of Saint Peter: A History of the Papacy, (Maryknoll: Orbis Books, 1999), 33-39.
[31] Epístola 73:1
[32] Epístola 73:2
[33] Epístola 73:3
[34] Epístola 73:8
[35] Epístola 73:9
[36] Epístola 74:6
[37] Ibid.
[38] Para uma história dos eventos e debates a respeito da controvérsia ariana e o Concílio de Nicéia, veja Leo Donald Davies, The First Seven Ecumenical Councils (325-787): Their History and Theology, (Collegeville, MN: The Liturgical Press, 1983), 33-80; cf. Kelly op. cit., 280-309.
[39] Against the Heathen, 1:3
[40] To the Bishop of Egypts, 1:4.
[41] De Synodis, I, 1,6
[42] Florovsky, op. cit., 82-83.
[43] Ad Adelphium, 6.
[44] Florovsky, 83
[45] On the Council, 29-30.
[46] On the Trinity, IV:14
[47] Catequetical Lectures, IV:17.
[48] Citado por Florovsky, 80.
[49] Heiko Oberman, The Dawn of the Reformation (Edinburgh: T&T Clark Ltd., 1986), 276. Cf. também Oberman, The Harvest of Medieval Theology (Cambridge: Harvard University Press, 1963), 361-393.
[50] Ibid., 280. Por conta do valor da tese de Oberman e porque ela tem sido construída sobre estudos históricos, este estudo continuará a usar essa terminologia.
[51] Oberman, Haverst of Medieval Theology, 369.
[52] On the Holy Spirit, 62.
[53] Florovsky, op. cit., 86-87
[54] Ibid., 87.
[55] Ibid., 87-88.
[56] Ibid., 88-89
[57] Letters, 189:3
[58] On the Soul and The Ressurrection. Não há divisões de capítulos ou livros na edição inglesa da Eerdmans deste texto. Veja, Philip Schaff e Henry Wace, eds. The Nicene and Post Nicene Fathers, Second Series, Vol. V, 439.
[59] Citado em Kelly, op. cit., p.45.
[60] Against Eunomius, II:1. Ênfases minhas.
[61] Homilias em II Timóteo, IX
[62] Homilias on II Corinthians, XII
[63] Homilias sobre II Tessalonicenses, IV.
[64] Sobre o Bem da Viuvez, 2
[65] A Unidade da Igreja, 3. Citado em Martin Chamnitz, Um Exame do Concílio de Trento, Vol. I, (St. Louis: Concordia Publish House, 1971), 157.
[66] Sobre o Credo: Um Sermão ao Catecúmenos, I.
[67] On the Baptism, Against the Donatists, IV:24.
[68] Ibid., V: 23
[69] Against the Epistle of Manichaeus, cap. 5
[70] Oberman, The Dawn of the Reformation, 278.
[71] Heiko Oberman, Forerunners of the Reformation, (Londres: Lutterworth Press, 1967), 56.
[72] Florovsky, op. cit., 92.
[73] Pelikan, op. cit., 293.
[74] Comunitório, I.
[75] Ibid., II.
[76] Oberman, The Dawn of the Reformation, 279.
[77] Ibid., 279.
[78] Florovsky, op. cit., 74-75.
[79] Oberman, op. cit., 280.
[80] Ibid. Cf. Comunitório, III.
[81] Ibid.
[82] F.F. Bruce, op. cit., 115-116.
[83] Florovsky, op. cit., 96.
[84] Ibid.
[85] Nicéia, em 325 d.C.; Constantinopla em 381 d.C.; Eféso em 431 d.C.; e Calcedônia em 451 d.C. Para um bom sumário da história dos concílios ecumênicos, veja Leo Donald Davis, op.cit.
[86] Henry R. Percival, The Seven Ecumenical Councils of the Undivided Church, Vol. XIV de A Select Library of Nicene and Post-Nicene Fatheres of the Christian Church, Second Series, Philip Schaff & Henry Wace, eds. (Grand Rapids: Wm. Eerdmans Publishing Co., 1997), xi. Desde o cisma, Roma tem reformulado a definição do que seja um concílio ecumênico para enfatizar o papel do Bispo de Roma. Cf. Leo Davis, op. cit., 323.
[87] Pelikan, op. cit., 335.
[88] De Synods, I, i, 6.
89 Florovsky, op. cit., 102.
90 Kelly, op. cit., 49.
91 Ibid., 46. Kelly ilustra isso apontando a dificuldade a qual enfrentava aqueles que defendiam termos teológicos novos como homousios. A objeção que era vigorosamente levantada tanto na ortodoxia quanto em círculos heréticos dava-se que estes termos não eram encontrados na Bíblia. A oposição foi finalmente superada somente quando eles estiveram aptos a demonstrar que, mesmo se os termos não fossem encontrados na Bíblia, o significado destes termos era o significado da Bíblia.