terça-feira, 25 de agosto de 2015

PROBLEMAS COM A NOÇÃO SIMPLISTA DE SUCESSÃO APOSTÓLICA

Por Francis A. Sullivan

            O primeiro problema tem a ver com a noção de que Cristo ordenou os apóstolos como bispos. Por um lado, não há dúvida verdadeira de que o mandato que Cristo deu aos apóstolos incluía o triplo ofício de ensino, governo e santificação, que são descritos pelo Vaticano II como conferidos pela consagração episcopal (LG 21). Todavia, a exatidão em descrever os próprios apóstolos como “bispos” é outra questão. Um bispo é um pastor residencial que preside de forma estável sobre a igreja de uma determinada cidade e seus arredores. Os apóstolos eram missionários e fundadores de igrejas; não há evidência, e nem é de todo provável, que quaisquer deles tenham tido residência permanente em alguma igreja em particular como bispo.
            Uma segunda questão também surge: Os apóstolos ordenaram um bispo para cada uma das igrejas fundadas por eles? O Novo Testamento contém boas evidências de que as igrejas fundadas por São Paulo possuíam líderes locais, a quem os apóstolos instavam a comunidade a ser submissa. Na saudação de sua carta aos Filipenses Paulo faz especial menção aos episkopoi e diaconoi: termos que literalmente significam “supervisores” e “servos”, mas que no uso cristão vieram a significar “bispos” e “diáconos”. Durante o final de sua jornada em Jerusalém, Paulo fez um discurso de despedida para os líderes da igreja de Éfeso, aos quais Lucas chamou de “presbíteros”, mas que foram descritos por Paulo como tendo sido constituídos como episkopoi pelo Espírito Santo (Atos 20.17-35). Assim, há boas evidências de que durante o período do Novo Testamento, as igrejas cristãs possuíam líderes locais, alguns dos quais, pelo menos, eram chamados de “bispos”.
            No entanto, não fica claro se esses “bispos” de quem Paulo fala foram realmente escolhidos ou ordenados por ele. Em segundo lugar, não há evidência de que São Paulo, ou qualquer outro dos apóstolos, tenha apontado um desses líderes locais como pastor chefe de toda a igreja de uma cidade em particular. Ao invés disso, a evidência sugere que próximo ao fim do período do Novo Testamento a liderança e outros ministérios eram providos em cada igreja por um grupo de “presbíteros” ou “supervisores”, sem que houvesse uma só pessoa no cargo, exceto quando o apóstolo ou um de seus cooperadores estivesse presente. O Novo Testamento não oferece apoio para a teoria da sucessão apostólica que supõe que os apóstolos designaram ou ordenaram um bispo para cada uma das igrejas que eles fundaram.
            Também não encontramos suporte para tal teoria nos mais antigos escritos cristãos que nos vem do período pós-neotestamentário. De acordo com a Didaquê, uma comunidade que estivesse carente da liderança de um profeta deveria escolher homens dignos e designá-los como bispos e diáconos. Não há sugestão de que eles derivassem sua autoridade, de alguma maneira, de um apóstolo fundador. A carta dos romanos aos coríntios, conhecida como I Clemente, que data de cerca do ano 96, provê boa evidência de que cerca de trinta anos após a morte de Paulo, a igreja de Corinto era conduzida por um grupo de presbíteros, sem indicação da presença de um bispo com autoridade sobre toda a igreja. Contudo, I Clement afirma que os apóstolos fundadores tinha designado a primeira geração de líderes da igreja local e estabeleceram a regra de que quando esses homens morressem, outros deveriam ser designados para sucedê-los. Essa carta, então, atesta o princípio da Sucessão Apostólica no ministério, mas não dá suporte a ideia de que os apóstolos designaram um bispo para cada igreja que eles fundaram. Para I Clemente, o princípio da Sucessão Apostólica era concretizado no colégio dos presbíteros devidamente escolhidos. Muitos acadêmicos são de opinião de que a igreja de Roma também era, nessa época, conduzida por um grupo de presbíteros. Um documento romano do século II conhecido como O Pastor de Hermas apoia esta opinião.
            As cartas de Inácio de Antioquia, comumente datadas de cerca do ano 115, são os primeiros documentos que testemunham a presença de um bispo que é claramente distinto do presbiterato e é pastor de toda igreja de uma cidade. Todavia, esse testemunho é certo apenas para a igreja de Antioquia e para as várias igrejas da Ásia Menor ocidental, nas proximidades de Éfeso. Uma carta que Policarpo, bispo de Esmirna, escreveu aos filipenses, poucos anos após, indica que a igreja de Filipos, na época, ainda estava sendo governada por um grupo de presbíteros. Mais importante, nada nas cartas de Inácio sugere que ele via sua autoridade episcopal como derivada do mandato de Cristo dado aos apóstolos. Enquanto o papel e autoridade do bispo cumpra um maior tema em suas cartas, ele nunca invocou o principio da Sucessão Apostólica para explica-lo ou justificá-lo.
            Existe um amplo consenso entre os estudiosos, incluindo muitos católicos, que igrejas tais como Alexandria, Filipos, Corinto e Roma muito provavelmente foram conduzidas por breve tempo por um colégio de presbíteros, e que somente durante o curso do século II a tripla estrutura tornou-se a regra geral, com um bispo, assistido pelos presbíteros, presidindo sobre cada igreja local.

Extraído do livro From Apostles to Bishos do teólogo católico Francis A. Sullivan, S.J. pp. 14-16.
Tradução livre: Fabiano Raposo.

2 comentários:

  1. Ótimo artigo Fabiano,

    A evidência bíblica e histórica é clara ao demonstrar que originalmente as Igrejas eram governadas por um colégio de presbíteros e não um bispo monárquico. Isto inclusive aconteceu na Igreja de Roma que hoje reivindica a sucessão apostólica do "Papa" Pedro.

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    1. E isso, Bruno, é reconhecido por muitos teólogos católicos romanos, como é o caso do Francis A. Sullivan, teólogo jesuíta e autor do texto.

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