Por Francis A. Sullivan
O primeiro problema tem
a ver com a noção de que Cristo ordenou os apóstolos como bispos. Por um lado,
não há dúvida verdadeira de que o mandato que Cristo deu aos apóstolos incluía
o triplo ofício de ensino, governo e santificação, que são descritos pelo
Vaticano II como conferidos pela consagração episcopal (LG 21). Todavia, a exatidão em descrever
os próprios apóstolos como “bispos” é outra questão. Um bispo é um pastor
residencial que preside de forma estável sobre a igreja de uma determinada
cidade e seus arredores. Os apóstolos eram missionários e fundadores de
igrejas; não há evidência, e nem é de todo provável, que quaisquer deles tenham
tido residência permanente em alguma igreja em particular como bispo.
Uma segunda questão também surge: Os apóstolos ordenaram um bispo para cada uma
das igrejas fundadas por eles? O Novo Testamento contém boas evidências de que
as igrejas fundadas por São Paulo possuíam líderes locais, a quem os apóstolos
instavam a comunidade a ser submissa. Na saudação de sua carta aos Filipenses
Paulo faz especial menção aos episkopoi e diaconoi:
termos que literalmente significam “supervisores” e “servos”, mas que no uso
cristão vieram a significar “bispos” e “diáconos”. Durante o final de sua
jornada em Jerusalém, Paulo fez um discurso de despedida para os líderes da
igreja de Éfeso, aos quais Lucas chamou de “presbíteros”, mas que foram
descritos por Paulo como tendo sido constituídos como episkopoi pelo Espírito Santo (Atos 20.17-35).
Assim, há boas evidências de que durante o período do Novo Testamento, as
igrejas cristãs possuíam líderes locais, alguns dos quais, pelo menos, eram
chamados de “bispos”.
No entanto, não fica claro se esses “bispos” de quem Paulo fala foram realmente
escolhidos ou ordenados por ele. Em segundo lugar, não há evidência de que São
Paulo, ou qualquer outro dos apóstolos, tenha apontado um desses líderes locais
como pastor chefe de toda a igreja de uma cidade em particular. Ao invés disso,
a evidência sugere que próximo ao fim do período do Novo Testamento a liderança
e outros ministérios eram providos em cada igreja por um grupo de “presbíteros”
ou “supervisores”, sem que houvesse uma só pessoa no cargo, exceto quando o
apóstolo ou um de seus cooperadores estivesse presente. O Novo Testamento não
oferece apoio para a teoria da sucessão apostólica que supõe que os apóstolos
designaram ou ordenaram um bispo para cada uma das igrejas que eles fundaram.
Também não encontramos suporte para tal teoria nos mais antigos escritos
cristãos que nos vem do período pós-neotestamentário. De acordo com a Didaquê, uma comunidade que
estivesse carente da liderança de um profeta deveria escolher homens dignos e
designá-los como bispos e diáconos. Não há sugestão de que eles derivassem sua
autoridade, de alguma maneira, de um apóstolo fundador. A carta dos romanos aos
coríntios, conhecida como I
Clemente, que data de cerca do ano 96, provê boa evidência de que cerca de
trinta anos após a morte de Paulo, a igreja de Corinto era conduzida por um
grupo de presbíteros, sem indicação da presença de um bispo com autoridade
sobre toda a igreja. Contudo, I
Clement afirma que os
apóstolos fundadores tinha designado a primeira geração de líderes da igreja
local e estabeleceram a regra de que quando esses homens morressem, outros
deveriam ser designados para sucedê-los. Essa carta, então, atesta o princípio
da Sucessão Apostólica no ministério, mas não dá suporte a ideia de que os
apóstolos designaram um bispo para cada igreja que eles fundaram. Para I Clemente, o princípio da
Sucessão Apostólica era concretizado no colégio dos presbíteros devidamente
escolhidos. Muitos acadêmicos são de opinião de que a igreja de Roma também
era, nessa época, conduzida por um grupo de presbíteros. Um documento romano do
século II conhecido como O
Pastor de Hermas apoia esta
opinião.
As cartas de Inácio de Antioquia, comumente datadas de cerca do ano 115, são os
primeiros documentos que testemunham a presença de um bispo que é claramente
distinto do presbiterato e é pastor de toda igreja de uma cidade. Todavia, esse
testemunho é certo apenas para a igreja de Antioquia e para as várias igrejas
da Ásia Menor ocidental, nas proximidades de Éfeso. Uma carta que Policarpo,
bispo de Esmirna, escreveu aos filipenses, poucos anos após, indica que a
igreja de Filipos, na época, ainda estava sendo governada por um grupo de
presbíteros. Mais importante, nada nas cartas de Inácio sugere que ele via sua
autoridade episcopal como derivada do mandato de Cristo dado aos apóstolos.
Enquanto o papel e autoridade do bispo cumpra um maior tema em suas cartas, ele
nunca invocou o principio da Sucessão Apostólica para explica-lo ou
justificá-lo.
Existe um amplo consenso entre os estudiosos, incluindo muitos católicos, que
igrejas tais como Alexandria, Filipos, Corinto e Roma muito provavelmente foram
conduzidas por breve tempo por um colégio de presbíteros, e que somente durante
o curso do século II a tripla estrutura tornou-se a regra geral, com um bispo,
assistido pelos presbíteros, presidindo sobre cada igreja local.
Extraído do livro From Apostles to Bishos do teólogo católico Francis A.
Sullivan, S.J. pp. 14-16.
Tradução livre: Fabiano
Raposo.
Ótimo artigo Fabiano,
ResponderExcluirA evidência bíblica e histórica é clara ao demonstrar que originalmente as Igrejas eram governadas por um colégio de presbíteros e não um bispo monárquico. Isto inclusive aconteceu na Igreja de Roma que hoje reivindica a sucessão apostólica do "Papa" Pedro.
E isso, Bruno, é reconhecido por muitos teólogos católicos romanos, como é o caso do Francis A. Sullivan, teólogo jesuíta e autor do texto.
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